A nota dele foi 5,2
Na campanha de 2002, antes de virar presidente, Lula fez mais de 700 promessas. A análise das mais importantes em 16 áreas mostra que ele cumpriu mais da metade do que foi prometido
DE RASPÃO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Granja do Torto. Com novas propostas, ele almeja a reeleição 2
No capítulo 18 de O Príncipe, o escritor florentino Nicolau Maquiavel, um dos maiores pensadores da política, afirmou: "A experiência nos faz ver que os príncipes que mais se destacaram pouco se preocuparam em honrar suas promessas". Um pouco mais adiante, Maquiavel recomenda: "Não pode nem deve um soberano prudente cumprir as suas promessas quando um tal cumprimento ameaça voltar-se contra ele e quando se diluem as próprias razões que o levaram a prometer".
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição, falou a uma platéia de educadores sobre as promessas feitas por ele na campanha presidencial de 2002. Lula deu novas explicações para justificar por que um político nem sempre honra a palavra. "Se a gente não cumprir, é porque houve fatores extraterrestres que não permitiram que cumpríssemos", disse o presidente. "De uma coisa, podem ter certeza: não será por falta de esforço, por falta de compromisso e por falta de lealdade aos princípios que me fizeram chegar à Presidência da República que não vamos cumprir." Há razões nobres e compreensíveis para um governante não cumprir suas promessas. Elas podem enfrentar resistências políticas insuperáveis, deixar de ser necessárias ou simplesmente se revelar equivocadas. Mas as promessas de campanha formam uma espécie de contrato político com a sociedade. Quando é eleito, o governante recebe mandato do eleitor para executar um programa. Verificar o cumprimento das promessas de Lula permite, no momento em que ele se candidata à reeleição, avaliar até que ponto foi fiel ao contrato firmado com a sociedade.
Lula lançou, na semana passada, seu programa de governo na campanha por mais quatro anos no Palácio do Planalto. É, por enquanto, só uma carta de intenções genérica, e o PT prometeu detalhá-la. O novo programa não faz um balanço do atendimento das promessas contidas em seu congênere de 2002. Ao longo dos últimos cinco meses, ÉPOCA se encarregou de fazê-lo. Realizou uma exaustiva investigação para cotejar o que Lula prometeu na campanha de 2002 e o que entregou desde a posse. Compilou mais de 700 promessas nas 89 páginas do programa de governo, nas 452 páginas dos 15 cadernos temáticos, nos pronunciamentos de Lula nos três debates e entrevistas na TV e ainda nas declarações publicadas nos jornais em três meses de campanha: agosto, setembro e outubro de 2002.
Não precisa ser xingando.
Mas pode dizer:
'Oh, Lulinha paz e amor,
dá para você fazer
o que prometeu?'.
Eu não sei Luiz
Inácio Lula da Silva,
num evento de campanha
com artistas,
em outubro de 2002
Na segunda etapa, a reportagem filtrou o que era relevante e merecia ser analisado em profundidade. Os dois critérios adotados foram a ênfase dada por Lula à promessa e a importância dela para cada área. Ajudaram nessa seleção especialistas nos 16 segmentos em que as promessas foram agrupadas. Foram convidados apenas aqueles que não tinham vínculo formal com o governo, com o PT ou com a oposição. Ao final, sobraram as 111 principais promessas analisadas nesta série de reportagens. Os especialistas também ajudaram a avaliar o cumprimento de cada uma delas. Por fim, os representantes do governo foram procurados para comentar. Técnicos e secretários-executivos, além de nove ministros, deram entrevistas. Para facilitar o entendimento, o balanço final de cada promessa foi traduzido em notas, conforme critério exposto no quadro da página 33. A nota final média do governo foi 5,2. Lula foi aprovado na execução do contrato que firmara com a sociedade. De raspão.
Em um dos principais itens da prova - o crescimento econômico -, Lula foi reprovado. Nos documentos da campanha de 2002, Lula dizia que o país precisava crescer em média 5% ao ano. Eleito, continuou prometendo. Chegou a dizer que o Brasil, sob sua administração, passaria pelo "espetáculo do crescimento". O avanço da economia brasileira nestes últimos anos não chegou nem perto do desempenho espetacular prometido. Essa expressão, infelizmente, ainda só pode ser usada para apontar o ritmo de desenvolvimento econômico atingido por China, Índia e outros países emergentes, concorrentes do Brasil no cenário internacional. Enquanto esses países apresentam índices anuais de crescimento de até 11%, o Brasil se acostumou a taxas de crescimento medíocres, como a divulgada, na semana passada, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De abril a junho, a economia brasileira cresceu apenas 0,5%. O índice obrigou os economistas a rever para baixo as estimativas para 2006. Neste ano, ao contrário do que prometia Lula em 2002, os 5% continuarão a ser uma miragem.
A nota dele foi 5,2
Na campanha de 2002, antes de virar presidente, Lula fez mais de 700 promessas. A análise das mais importantes em 16 áreas mostra que ele cumpriu mais da metade do que foi prometido
PALAVRA
O programa do PT para o período 2007-2010, lançado na semana passada
Muitas vezes as promessas são quebradas porque, sabidamente, não poderiam ser cumpridas. Foram apenas conveniências de palanque para agradar à platéia. No capítulo da reforma agrária, o PT afirmava que seguiria "um plano progressivo de distribuição de terras, independentemente de recursos orçamentários". "Isso é um absurdo", diz Zander Navarro, pesquisador da Universidade de Sussex, na Inglaterra, especialista no assunto. "Como alguém pode dizer que vai distribuir terras sem recursos?"
Outro expediente comum é prometer o que já existe. Lei, ações e programas implantados há anos reaparecem como promessa nova na fala dos candidatos. Em 2002, Lula lançou um programa com propostas para combater a corrupção. Uma delas era proibir a contratação de parentes no âmbito do Executivo federal. No instante em que essa proposta era apresentada, uma lei de igual teor já existia havia 12 anos no Brasil.
Às vezes, não cumprir uma promessa pode ter efeito positivo. Um bom exemplo, no governo Lula, foi o Programa Fome Zero, principal bandeira de campanha do PT em 2002. A idéia original previa distribuição de cupons de alimentação, cestas básicas e frentes de trabalho. A tempo, o governo percebeu que a administração dessa rede de assistência social seria impraticável. Voltou atrás, ampliou e melhorou os programas de transferência de renda já existentes. Daí o sucesso hoje do Bolsa-Família.
É importante ressaltar que ÉPOCA não pretendeu fazer um balanço completo do governo Lula, mas do cumprimento das promessas feitas em 2002. Por esse motivo, o que não foi prometido ficou de fora. Exemplo: na área de comércio exterior, não há referências à liderança do Brasil na formação do grupo dos 20 países em desenvolvimento (G-20) para as negociações na Organização Mundial de Comércio, uma das mais importantes iniciativas de Lula. Outro exemplo: a história completa da administração petista não poderia ignorar a crise política de 2005, que paralisou o governo e levou à saída de seus principais ministros.
ÉPOCA lançou-se nessa empreitada por dois motivos. Primeiro, a demagogia tem sido um mal recorrente na política brasileira. A sociedade, nos últimos anos, fez grandes avanços na exigência de maior transparência e fiscalização dos políticos. Mas os candidatos precisam ainda se habituar a prestar contas do que prometem ao eleitor, prática comum em países com maior tradição democrática.
O segundo motivo: uma disputa pela reeleição é fundamentalmente um julgamento em que o eleitor decide se o atual governante merece permanecer no poder. Ao fazer esse balanço, ÉPOCA acredita ajudar o eleitor a decidir seu voto e a descobrir se o presidente encarou suas promessas como um contrato com a sociedade ou se, como aconselha o escritor florentino, abandonou-as quando se tornaram incômodas.
Falou demais?
Lula prometia criar 10 milhões de empregos. Foram criados 4,8 milhões – com carteira assinada
Ricardo Mendonça
MEIO-TERMO
Lula discursa para metalúrgicos da Ford. Empregos cresceram, mas aquém da promessa feita em 2002
- A geração de empregos será uma obsessão no meu governo.
- A geração de empregos será uma obsessão no meu governo.
- A geração de empregos será uma obsessão no meu governo.
Na campanha de 2002, Lula usou essa frase como um mantra. Repetia também insistentemente a avaliação segundo a qual o Brasil precisava crescer 5% ao ano, única forma de criar os 10 milhões de postos de trabalho necessários para resolver o problema do desemprego. O desafio dos petistas, agora, é mostrar quanto disso foi cumprido.
O debate sobre o crescimento é menos polêmico. O Brasil cresceu 0,5% em 2003, 4,9% em 2004 e 2,3% em 2005. Neste ano, o índice deverá ficar entre 3,5% e 4%, número frustrante perto do prometido. Ainda que o país tenha crescido mais agora que na gestão de Fernando Henrique Cardoso, há uma unanimidade entre os analistas: o governo Lula poderia ter tido um desempenho melhor, já que o cenário internacional é mais favorável hoje que no fim dos anos 90.
A discussão sobre a geração dos empregos é mais complexa. Lula diz que nunca falou em criar 10 milhões de vagas, mas na "necessidade" de atingir essa meta. É possível mesmo que ele nunca tenha dito isso de forma direta. Mas afirmar que a promessa não foi feita é um truque retórico. A associação do número 10 milhões à imagem de Lula ocorreu durante toda a campanha de 2002. Sempre por iniciativa dos próprios petistas.
Outra polêmica envolve o tipo de emprego criado desde a posse. Lula falava em 10 milhões de vagas, mas não explicava se eram empregos formais no setor privado com carteira assinada ou se a conta incluía vagas no setor público, assentados no campo e trabalhadores informais sem registro. Isso pode parecer um detalhe tolo. Mas, na hora de medir a geração de empregos no país, qualificá-los pode fazer diferença.
Falou demais?
Lula prometia criar 10 milhões de empregos. Foram criados 4,8 milhões – com carteira assinada
Ricardo Mendonça
Em quatro anos,
Lula criou
6 vezes mais
empregos que
FHC em oito
Uma das ferramentas nessa medição é o Caged, um cadastro do Ministério do Trabalho. Ele mostra as pessoas contratadas sob o regime da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho. São as melhores vagas, geradas no setor privado, com registro em carteira. Por esse critério, os empregos criados nos três primeiros anos do governo Lula ficaram em 3,3 milhões. A estimativa é que 2006 termine com algo próximo a 4,8 milhões. A estratégia de Lula tem sido comparar esse total com os números do governo FHC: 1 milhão negativo no primeiro mandato e 1,8 milhão positivo no segundo - saldo de 800 mil. Lula pode dizer, portanto, que fez menos do que havia prometido, mas entregou em quatro anos seis vezes o que o PSDB entregou em oito anos.
A segunda forma de medir geração de empregos é recorrer à Rais, a Relação Anual de Informações Sociais. Além dos empregados pela CLT, a Rais conta as novas vagas no setor público. Por esse critério, o Ministério do Trabalho estima que Lula completará o mandato com cerca de 6,1 milhões de empregos criados, ou 61% da promessa.
O último critério é a Pnad, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE. Esse levantamento é o mais abrangente, pois envolve também desempregados que abriram negócio próprio, trabalhadores informais e pessoas assentadas pela reforma agrária. O problema da Pnad é que seus números só ficam prontos um ano depois da apuração. Mas é onde deverão aparecer as melhores estatísticas para o balanço completo do mandato. No segmento de emprego, as projeções da Pnad estimam em cerca de 8,4 milhões as vagas criadas entre 2003 e 2006. Daria 84% da promessa.
Como, do ponto de vista econômico, a informalidade é condenável, e o aumento de cargos no setor público discutível, o parâmetro mais adequado, segundo os especialistas, é o mais conservador: contar apenas as carteiras assinadas. Ele resulta em quase 50% da promessa cumprida.
A segunda promessa mais marcante de Lula na área trabalhista era dobrar o poder aquisitivo do salário mínimo em quatro anos. A discussão a respeito do atendimento dessa promessa também depende da escolha do critério. Quando Lula assumiu, o salário mínimo estava fixado em R$ 200. Com os quatro reajustes anuais, ele atingiu R$ 350, um aumento nominal de 75%. Essa é uma conta simples, mas ruim, pois desconsidera o efeito daninho da inflação entre 2003 e 2006. Descontada a inflação, o salto para R$ 350 representa um aumento real de 25,3%. Bom, se comparado com o passado, mas aquém da promessa.
Outro método aceitável é averiguar o que ocorreu com o salário mínimo em relação à cesta básica. Lula falava sempre em dobrar "o poder de compra". Em 2003, o salário de R$ 200 comprava 1,4 cesta. Hoje, os R$ 350 compram 2,2 cestas, uma melhora de quase 60%. Esse critério parece ser o mais próximo da realidade das pessoas que recebem o salário mínimo, pois elas usam a maior parte de seus ganhos na compra de produtos da cesta básica.
Há ainda a comparação direta com produtos de consumo popular, como arroz, feijão e cimento. É o critério preferido dos petistas. Em 2003, um salário mínimo comprava 63 quilos de feijão, 131 de arroz ou 11 sacos de cimento. Hoje, compra 133 quilos de feijão, 257 de arroz ou 21 sacos de cimento. Tudo isso ocorreu porque os preços de vários produtos populares caíram nos últimos anos.
Outro compromisso histórico do PT era a reforma trabalhista, com a adoção de medidas para fortalecer as centrais sindicais, flexibilizar as cláusulas da CLT e reduzir a jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40, sem redução dos salários. Lula prometia montar o Fórum Nacional do Trabalho, reunindo patrões, empregados e governo. O Fórum foi criado e fatiou a reforma em duas: uma sindical, a outra trabalhista. A parte sindical foi enviada ao Congresso. A fatia trabalhista, com as mudanças na CLT, nem saiu do Fórum. Lula provavelmente terminará o mandato sem enviar esse projeto. "A CLT prevê muita proteção individual, mas não há proteção coletiva", diz o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. "Por isso, a reforma sindical precisa ser feita antes da flexibilização da CLT." Na prática, a promessa não foi cumprida.
Qual o melhor critério?
Há três formas de medir a geração de empregos.
Todas têm vantagens e desvantagen
* Estimativa
8 principais promessas NOTA
Criar 10 milhões de empregos
O saldo de vagas criadas no governo Lula deverá chegar a 4,8 milhões 5
Dobrar o poder de compra do salário mínimo
Antes, o salário comprava 1,4 cesta básica. Hoje, compra 2,2 cestas, um aumento de 60% 6
Implantar o programa Primeiro Emprego
O governo tentou, mas as empresas não se interessaram, e o projeto fracassou 1
Juntar empregados e patrões para elaborar as reformas
O governo montou o Fórum Nacional do Trabalho para discutir e encaminhar as propostas da área 8
Reduzir a jormada de 44 para 40 horas semanais
Esse era um dos itens da reforma trabalhista, que nem foi mandada para o Congresso 0
Fazer a reforma sindical
O Fórum elaborou o projeto com o governo e mandou a proposta para o Congresso. Não houve empenho para aprovar nada 1
Criar multa para empresas com rotatividade exagerada
Não foi criado nenhum mecanismo para combater o excesso de rotatividade 0
Intensificar a fiscalização
A fiscalização contra a informalidade cresceu. O destaque foram as blitze contra o trabalho escravo 9
NOTA MÉDIA 3,8
Doutor em marketing?
Lula cumpriu várias promessas. Principalmente as que rendem
Ana Aranha
AÇÃO
Área desmatada em Santarém do Araguaia, Pará. Depois de oito anos, áreas como a retrada na foto começãoa diminuir
Remédio barato, ambulância e dentista de graça são apresentados pelo governo Lula como prova de êxito na gestão da saúde. Os programas Farmácia Popular, Serviço de Assistência Móvel de Urgência (Samu) e Brasil Sorridente, promessas de campanha em 2002, foram prioridades da saúde petista. Para eles, não faltou dinheiro. Dos três, apenas o Brasil Sorridente é visto pelos especialistas como uma iniciativa inteiramente eficaz. E médicos da área de saúde pública afirmam que a escolha desses programas como prioridade foi influenciada pelo apelo publicitário.
Essa crítica é freqüente em relação ao Samu. Durante o governo Lula, 789 municípios receberam ambulâncias novas. Segundo os dados oficiais, a frota tem potencial para atender 86 milhões de pessoas. Mas o projeto está incompleto. Além da distribuição de ambulâncias, o Samu previa a construção de prontos-socorros e hospitais de urgência. Nenhuma unidade foi levantada até agora. "As ambulâncias correm e todo mundo vê, mas não houve melhorias na infra-estrutura", diz o médico Eugênio Vilaça, ex-consultor da Organização Mundial de Saúde. "O governo se fixou apenas em parte do atendimento, uma solução parcial."
O programa Farmácia Popular, uma das principais promessas de 2002, também é questionado. Até agora há 2.614 unidades em funcionamento no país e outras 1.799 em implantação. O princípio é baratear remédios para a população que não os recebe de graça do Sistema Único de Saúde (SUS). O programa oferece descontos de 50% a 90% na compra dos medicamentos mais procurados, como para diabetes e hipertensão.
O Farmácia Popular ampliou o acesso a remédios na classe média baixa. Os críticos afirmam que os recursos seriam mais bem aplicados no aumento da rede de medicamentos gratuitos do SUS. "A política de medicamentos de qualquer governo deveria priorizar quem não tem acesso ao mercado", diz Paulo Elias, pesquisador de políticas de saúde da Universidade de São Paulo.
Os críticos também afirmam que, ao lançar o Farmácia Popular, o governo cedeu à tentação de dar mais peso ao apelo de marketing que à eficácia do gasto público. Pôr mais dinheiro na conta do SUS, um sistema que integra governos municipais, estaduais e federal, não traria dividendo político nenhum, enquanto o Farmácia Popular pode incrementar a imagem do governo. "É política midiática", diz o médico Vilaça. "O Farmácia Popular nega o princípio do sistema público universal. Começa cobrando remédio. Amanhã, para fazer tomografia, vão cobrar 20%."
O programa Brasil Sorridente, a terceira grande prioridade de Lula, é mais bem-visto pela comunidade de saúde pública. Em 2002, Lula assumiu o compromisso de dar prioridade à saúde bucal. Prometeu ampliar o atendimento, integrá-lo ao programa Saúde da Família e implantar núcleos regionais de especialidades. Todas essas promessas foram cumpridas. O governo criou 420 Centros de Especialidades Odontológicas. O número de Equipes de Saúde Bucal triplicou em relação a 2002. Hoje, quase 4 mil municípios recebem atendimento.
A gestão petista surpreendeu ao manter iniciativas bem-sucedidas do governo anterior. Pode-se dizer que essa é uma obrigação de qualquer governante. No Brasil, contudo, a tradição tem sido abandonar o que o adversário fez e trocá-lo por um projeto com marca própria. A política dos medicamentos genéricos e o programa Saúde da Família, lançados na gestão FHC, não só foram mantidos, como ampliados.
A quantidade de remédios baratos com a tarja Genérico triplicou nas farmácias. O investimento no Saúde da Família, programa de prevenção em que médicos visitam as famílias em casa, cresceu 80%. A rede de atendimento foi ampliada, com a criação de 9.402 equipes de médicos. Mas, durante a campanha, Lula havia prometido criar 30 mil novas equipes caso fosse eleito. Prometeu também beneficiar 70% dos brasileiros. Hoje, o programa alcança 45% da população. Embora tenha entregado menos do que prometeu na campanha, o resultado foi bom.
Na área de saúde, existe uma promessa perpétua. Todos os candidatos dizem que, se eleitos, cumprirão o orçamento mínimo para a saúde previsto na Constituição. De acordo com a lei, o governo é obrigado a repassar para a saúde um volume de receita igual ao do ano anterior, corrigido de acordo com a variação do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2002, Lula fez a promessa, mas não a cumpriu. Fez de conta que investia em saúde, mas aplicou o dinheiro em outras áreas. O Bolsa-Alimentação é um deles. Mais apropriado para o orçamento do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no ano passado ele recebeu R$ 2 bilhões das verbas destinadas à saúde. A quantia equivale a 6% das despesas anuais da área.
Cumprindo ou não a Constituição, a verba destinada para a saúde no Brasil é pequena perto da média dos países desenvolvidos. "A situação é insustentável", diz o médico Miguel Srougi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Em 2005, os Estados Unidos destinaram US$ 6.400 para a saúde de cada habitante, o Canadá US$ 4 mil e a França US$ 3 mil. Nós ficamos com US$ 170."
Cansados de ver presidentes, governadores e prefeitos passar a perna nas contas da saúde, muitas entidades ligadas à área brigam pela regulamentação da Emenda Constitucional 29. Essa norma delimita com precisão o que pode e o que não pode ser considerado gasto de saúde. "Atualmente, cada um pendura o que quer nessa conta. O governo Lula diz que o Bolsa-Alimentação é um programa para imunização", afirma Eugênio Vilaça. Aprovar a Emenda 29 seria um ato simples e não exige recursos extras. Mas o governo Lula não se interessou.
Ficou no meio do caminho
O investimento no Saúde da Família cresceu 80%. Isso não bastou para cumprir a promessa
Fonte: Ministério da Saúde
9 principais promessas NOTA
Criar as farmácias populares
Há 2.614 unidades funcionando no país e 1.799 em implantação 9
Criar rede de prontos-socorros e serviços de resgate
Entregou ambulâncias a 789 municípios, mas não fez os prontos-socorros prometidos 2
Ampliar o atendimento de saúde bucal
Foram criados 420 Centros de Especialidades Odontológicas. O total de Equipes de Saúde Bucal triplicou 9
Aumentar para 30 mil o número de equipes do Saúde da Família e atender 70% dos brasileiros
O governo criou 9.402 equipes, 70% do que prometeu. O atendimento chega a 45% dos brasileiros hoje 7
Cumprir os gastos com saúde previstos na Constituição
Governo diz que cumpre. Mas inclui programas de outras áreas na conta da saúde 2
Ampliar os medicamentos genéricos
O leque de remédios disponíveis como genéricos praticamente triplicou. Foi de 643 para 1.847 10
Criar unidades geriátricas de referência com pessoal especializado
Lula instituiu uma legislação e promoveu um pacto nacional pela saúde do idoso. Mas nada disso chegou a resultados práticos, segundo os médicos 2
Ampliar a oferta de UTIs neonatais
Segundo os dados oficiais, criou 890 leitos, um aumento de 42% 7
Garantir o fluxo de medicamentos para aids
Houve focos de desabastecimento, mas o governo aumentou o orçamento do programa e conseguiu manter a distribuição universal 8
NOTA MÉDIA 6,2
Fizeram só o mais fácil
O governo Lula temeu o desgaste político e recuou na briga por mudanças
Ricardo Mendonça
OUSADIA
Ação do PCC em São Paulo. O crime organizado desafia o poder público
Com os ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, a indignação tomou conta da sociedade, que se sentiu refém do crime organizado. E o tema segurança pública passou a ocupar o centro do debate político e eleitoral. Com certeza, a imagem mais afetada pela onda de violência foi a do candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin - o PCC floresceu durante sua gestão no governo paulista. Mas é possível afirmar que a ação - ou omissão - do governo federal também foi responsável pelo recrudescimento da violência.
Na área de segurança, o governo Lula falhou onde seus antecessores também falharam. Não reformou as instituições públicas da área. Elas funcionam mal e continuam a ter a mesma estrutura da época da ditadura militar. Em 2002, Lula prometera fazer três grandes mudanças estruturais: criar o Sistema Único de Segurança Pública, vincular a Secretaria Nacional de Segurança à Presidência da República (o órgão é subordinado ao Ministério da Justiça) e reformar a Constituição para permitir a integração das polícias Civil e Militar.
Dessas três promessas, o governo começou a levar adiante apenas a criação do sistema único. Batizado Susp e instituído no primeiro ano de mandato pelo ex-secretário nacional de Segurança Luiz Eduardo Soares, ele serve para integrar as polícias de todo o país e melhorar a troca de informações. Deve também promover cursos, pesquisas, intercâmbio e treinamentos especiais de policiais. Mas essa ação ainda é incipiente. "Não dá para dizer que o Brasil tem um sistema nacional de segurança como na área de saúde", diz Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
460 mil
armas de fogo
foram recolhidas
pelo governo
na campanha
nacional pelo
desarmamento
A vinculação da Secretaria Nacional de Segurança Pública à Presidência da República seria uma maneira de valorizar o tema dentro da administração. A idéia morreu porque o governo temia se associar a um tema politicamente desgastante. Como a promessa foi arquivada, o assunto continuou a ser apenas parte das atribuições do ministro da Justiça, que trata de várias outras questões, como a indígena, lavagem de dinheiro ou direito do consumidor.
O outro grande recuo do governo foi decidir não promover a desconstitucionalização do tema segurança. A idéia por trás desse palavrão é dar maior autonomia aos Estados para montar forças policiais eficazes e unificar, onde for o caso, as polícias Civil e Militar. Mas o envio da reforma constitucional ao Congresso significaria enfrentar um lobby poderoso das corporações policiais. O governo não quis comprar essa briga.
O saldo de três anos e meio de administração petista na área de Justiça e Segurança, porém, não é totalmente negativo. O programa do PT de 2002 dava ênfase ao fortalecimento da Polícia Federal. E isso foi feito. Foram contratados 3 mil homens para a PF. A instituição passou a prender mais traficantes, sonegadores e contrabandistas. Na Operação Vampiro foram presas 17 pessoas acusadas de montar uma máfia na área de hemoderivados no Ministério da Saúde. Na Operação Curupira, com 101 presos, uma organização criminosa de madeireiros foi desmantelada no Pará. Na Operação Narciso, os donos da grife Daslu, em São Paulo, foram presos pela acusação de sonegação. Em alguns desses casos, a PF foi até criticada por exibicionismo. De acordo com os números oficiais, desde a chegada do PT ao poder foram feitas 261 operações com 3.405 prisões. Nos três anos anteriores, foram 20 operações com 54 prisões.
Outro destaque no rol das promessas cumpridas foi a política de desarmamento. A campanha patrocinada pelo governo recolheu 460 mil armas entre 2004 e 2005, cinco vezes mais que a meta inicial. De acordo com os especialistas, o sucesso da iniciativa foi uma das principais razões para a queda de 8% nas mortes por arma de fogo no Brasil em 2005. Os resultados da campanha pelo desarmamento eram comemorados abertamente pelos petistas até o ano passado. Mas foram esquecidos na propaganda da reeleição. O motivo foi a derrota do governo no referendo sobre as armas de fogo, cuja venda continuou a ser permitida.
O governo Lula também tomou iniciativas que não estavam no programa de 2002. Ajudou a aprovar a reforma do Judiciário e criou a Força Nacional de Segurança. A reforma do Judiciário havia anos caminhava vagarosamente no Congresso e teve apoio do governo na reta final. Ela incluiu pelo menos dois pontos relevantes, que enfrentavam a oposição de associações de magistrados e advogados. O primeiro foi a criação do Conselho Nacional de Justiça para exercer o controle externo sobre os tribunais. O segundo foi a instituição da súmula vinculante, que uniformiza as sentenças da Justiça quando já há decisão do Supremo Tribunal Federal. As duas medidas servem para dar mais transparência e agilidade à Justiça.
A Força Nacional é um grupo de 5 mil policiais emprestados dos Estados e treinados pelo governo federal. Ela foi criada para atuar em casos especiais, como rebeliões em presídios. Segundo os especialistas, um dos problemas da Força Nacional é que ela ainda é pequena. Seu dispositivo é insuficiente para enfrentar, por exemplo, as insurreições promovidas pelo PCC em São Paulo. Agora, em 2006, a promessa de Lula é ampliar esse total. Dificilmente a população aceitará mais um governo omisso em uma questão tão urgente quanto o combate ao crime organizado.
A nota dele foi 5,2
Na campanha de 2002, antes de virar presidente, Lula fez mais de 700 promessas. A análise das mais importantes em 16 áreas mostra que ele cumpriu mais da metade do que foi prometido
DE RASPÃO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Granja do Torto. Com novas propostas, ele almeja a reeleição 2
No capítulo 18 de O Príncipe, o escritor florentino Nicolau Maquiavel, um dos maiores pensadores da política, afirmou: "A experiência nos faz ver que os príncipes que mais se destacaram pouco se preocuparam em honrar suas promessas". Um pouco mais adiante, Maquiavel recomenda: "Não pode nem deve um soberano prudente cumprir as suas promessas quando um tal cumprimento ameaça voltar-se contra ele e quando se diluem as próprias razões que o levaram a prometer".
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à reeleição, falou a uma platéia de educadores sobre as promessas feitas por ele na campanha presidencial de 2002. Lula deu novas explicações para justificar por que um político nem sempre honra a palavra. "Se a gente não cumprir, é porque houve fatores extraterrestres que não permitiram que cumpríssemos", disse o presidente. "De uma coisa, podem ter certeza: não será por falta de esforço, por falta de compromisso e por falta de lealdade aos princípios que me fizeram chegar à Presidência da República que não vamos cumprir." Há razões nobres e compreensíveis para um governante não cumprir suas promessas. Elas podem enfrentar resistências políticas insuperáveis, deixar de ser necessárias ou simplesmente se revelar equivocadas. Mas as promessas de campanha formam uma espécie de contrato político com a sociedade. Quando é eleito, o governante recebe mandato do eleitor para executar um programa. Verificar o cumprimento das promessas de Lula permite, no momento em que ele se candidata à reeleição, avaliar até que ponto foi fiel ao contrato firmado com a sociedade.
Lula lançou, na semana passada, seu programa de governo na campanha por mais quatro anos no Palácio do Planalto. É, por enquanto, só uma carta de intenções genérica, e o PT prometeu detalhá-la. O novo programa não faz um balanço do atendimento das promessas contidas em seu congênere de 2002. Ao longo dos últimos cinco meses, ÉPOCA se encarregou de fazê-lo. Realizou uma exaustiva investigação para cotejar o que Lula prometeu na campanha de 2002 e o que entregou desde a posse. Compilou mais de 700 promessas nas 89 páginas do programa de governo, nas 452 páginas dos 15 cadernos temáticos, nos pronunciamentos de Lula nos três debates e entrevistas na TV e ainda nas declarações publicadas nos jornais em três meses de campanha: agosto, setembro e outubro de 2002.
Não precisa ser xingando.
Mas pode dizer:
'Oh, Lulinha paz e amor,
dá para você fazer
o que prometeu?'.
Eu não sei Luiz
Inácio Lula da Silva,
num evento de campanha
com artistas,
em outubro de 2002
Na segunda etapa, a reportagem filtrou o que era relevante e merecia ser analisado em profundidade. Os dois critérios adotados foram a ênfase dada por Lula à promessa e a importância dela para cada área. Ajudaram nessa seleção especialistas nos 16 segmentos em que as promessas foram agrupadas. Foram convidados apenas aqueles que não tinham vínculo formal com o governo, com o PT ou com a oposição. Ao final, sobraram as 111 principais promessas analisadas nesta série de reportagens. Os especialistas também ajudaram a avaliar o cumprimento de cada uma delas. Por fim, os representantes do governo foram procurados para comentar. Técnicos e secretários-executivos, além de nove ministros, deram entrevistas. Para facilitar o entendimento, o balanço final de cada promessa foi traduzido em notas, conforme critério exposto no quadro da página 33. A nota final média do governo foi 5,2. Lula foi aprovado na execução do contrato que firmara com a sociedade. De raspão.
Em um dos principais itens da prova - o crescimento econômico -, Lula foi reprovado. Nos documentos da campanha de 2002, Lula dizia que o país precisava crescer em média 5% ao ano. Eleito, continuou prometendo. Chegou a dizer que o Brasil, sob sua administração, passaria pelo "espetáculo do crescimento". O avanço da economia brasileira nestes últimos anos não chegou nem perto do desempenho espetacular prometido. Essa expressão, infelizmente, ainda só pode ser usada para apontar o ritmo de desenvolvimento econômico atingido por China, Índia e outros países emergentes, concorrentes do Brasil no cenário internacional. Enquanto esses países apresentam índices anuais de crescimento de até 11%, o Brasil se acostumou a taxas de crescimento medíocres, como a divulgada, na semana passada, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De abril a junho, a economia brasileira cresceu apenas 0,5%. O índice obrigou os economistas a rever para baixo as estimativas para 2006. Neste ano, ao contrário do que prometia Lula em 2002, os 5% continuarão a ser uma miragem.
A nota dele foi 5,2
Na campanha de 2002, antes de virar presidente, Lula fez mais de 700 promessas. A análise das mais importantes em 16 áreas mostra que ele cumpriu mais da metade do que foi prometido
PALAVRA
O programa do PT para o período 2007-2010, lançado na semana passada
Muitas vezes as promessas são quebradas porque, sabidamente, não poderiam ser cumpridas. Foram apenas conveniências de palanque para agradar à platéia. No capítulo da reforma agrária, o PT afirmava que seguiria "um plano progressivo de distribuição de terras, independentemente de recursos orçamentários". "Isso é um absurdo", diz Zander Navarro, pesquisador da Universidade de Sussex, na Inglaterra, especialista no assunto. "Como alguém pode dizer que vai distribuir terras sem recursos?"
Outro expediente comum é prometer o que já existe. Lei, ações e programas implantados há anos reaparecem como promessa nova na fala dos candidatos. Em 2002, Lula lançou um programa com propostas para combater a corrupção. Uma delas era proibir a contratação de parentes no âmbito do Executivo federal. No instante em que essa proposta era apresentada, uma lei de igual teor já existia havia 12 anos no Brasil.
Às vezes, não cumprir uma promessa pode ter efeito positivo. Um bom exemplo, no governo Lula, foi o Programa Fome Zero, principal bandeira de campanha do PT em 2002. A idéia original previa distribuição de cupons de alimentação, cestas básicas e frentes de trabalho. A tempo, o governo percebeu que a administração dessa rede de assistência social seria impraticável. Voltou atrás, ampliou e melhorou os programas de transferência de renda já existentes. Daí o sucesso hoje do Bolsa-Família.
É importante ressaltar que ÉPOCA não pretendeu fazer um balanço completo do governo Lula, mas do cumprimento das promessas feitas em 2002. Por esse motivo, o que não foi prometido ficou de fora. Exemplo: na área de comércio exterior, não há referências à liderança do Brasil na formação do grupo dos 20 países em desenvolvimento (G-20) para as negociações na Organização Mundial de Comércio, uma das mais importantes iniciativas de Lula. Outro exemplo: a história completa da administração petista não poderia ignorar a crise política de 2005, que paralisou o governo e levou à saída de seus principais ministros.
ÉPOCA lançou-se nessa empreitada por dois motivos. Primeiro, a demagogia tem sido um mal recorrente na política brasileira. A sociedade, nos últimos anos, fez grandes avanços na exigência de maior transparência e fiscalização dos políticos. Mas os candidatos precisam ainda se habituar a prestar contas do que prometem ao eleitor, prática comum em países com maior tradição democrática.
O segundo motivo: uma disputa pela reeleição é fundamentalmente um julgamento em que o eleitor decide se o atual governante merece permanecer no poder. Ao fazer esse balanço, ÉPOCA acredita ajudar o eleitor a decidir seu voto e a descobrir se o presidente encarou suas promessas como um contrato com a sociedade ou se, como aconselha o escritor florentino, abandonou-as quando se tornaram incômodas.
Falou demais?
Lula prometia criar 10 milhões de empregos. Foram criados 4,8 milhões – com carteira assinada
Ricardo Mendonça
MEIO-TERMO
Lula discursa para metalúrgicos da Ford. Empregos cresceram, mas aquém da promessa feita em 2002
- A geração de empregos será uma obsessão no meu governo.
- A geração de empregos será uma obsessão no meu governo.
- A geração de empregos será uma obsessão no meu governo.
Na campanha de 2002, Lula usou essa frase como um mantra. Repetia também insistentemente a avaliação segundo a qual o Brasil precisava crescer 5% ao ano, única forma de criar os 10 milhões de postos de trabalho necessários para resolver o problema do desemprego. O desafio dos petistas, agora, é mostrar quanto disso foi cumprido.
O debate sobre o crescimento é menos polêmico. O Brasil cresceu 0,5% em 2003, 4,9% em 2004 e 2,3% em 2005. Neste ano, o índice deverá ficar entre 3,5% e 4%, número frustrante perto do prometido. Ainda que o país tenha crescido mais agora que na gestão de Fernando Henrique Cardoso, há uma unanimidade entre os analistas: o governo Lula poderia ter tido um desempenho melhor, já que o cenário internacional é mais favorável hoje que no fim dos anos 90.
A discussão sobre a geração dos empregos é mais complexa. Lula diz que nunca falou em criar 10 milhões de vagas, mas na "necessidade" de atingir essa meta. É possível mesmo que ele nunca tenha dito isso de forma direta. Mas afirmar que a promessa não foi feita é um truque retórico. A associação do número 10 milhões à imagem de Lula ocorreu durante toda a campanha de 2002. Sempre por iniciativa dos próprios petistas.
Outra polêmica envolve o tipo de emprego criado desde a posse. Lula falava em 10 milhões de vagas, mas não explicava se eram empregos formais no setor privado com carteira assinada ou se a conta incluía vagas no setor público, assentados no campo e trabalhadores informais sem registro. Isso pode parecer um detalhe tolo. Mas, na hora de medir a geração de empregos no país, qualificá-los pode fazer diferença.
Falou demais?
Lula prometia criar 10 milhões de empregos. Foram criados 4,8 milhões – com carteira assinada
Ricardo Mendonça
Em quatro anos,
Lula criou
6 vezes mais
empregos que
FHC em oito
Uma das ferramentas nessa medição é o Caged, um cadastro do Ministério do Trabalho. Ele mostra as pessoas contratadas sob o regime da CLT, a Consolidação das Leis do Trabalho. São as melhores vagas, geradas no setor privado, com registro em carteira. Por esse critério, os empregos criados nos três primeiros anos do governo Lula ficaram em 3,3 milhões. A estimativa é que 2006 termine com algo próximo a 4,8 milhões. A estratégia de Lula tem sido comparar esse total com os números do governo FHC: 1 milhão negativo no primeiro mandato e 1,8 milhão positivo no segundo - saldo de 800 mil. Lula pode dizer, portanto, que fez menos do que havia prometido, mas entregou em quatro anos seis vezes o que o PSDB entregou em oito anos.
A segunda forma de medir geração de empregos é recorrer à Rais, a Relação Anual de Informações Sociais. Além dos empregados pela CLT, a Rais conta as novas vagas no setor público. Por esse critério, o Ministério do Trabalho estima que Lula completará o mandato com cerca de 6,1 milhões de empregos criados, ou 61% da promessa.
O último critério é a Pnad, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE. Esse levantamento é o mais abrangente, pois envolve também desempregados que abriram negócio próprio, trabalhadores informais e pessoas assentadas pela reforma agrária. O problema da Pnad é que seus números só ficam prontos um ano depois da apuração. Mas é onde deverão aparecer as melhores estatísticas para o balanço completo do mandato. No segmento de emprego, as projeções da Pnad estimam em cerca de 8,4 milhões as vagas criadas entre 2003 e 2006. Daria 84% da promessa.
Como, do ponto de vista econômico, a informalidade é condenável, e o aumento de cargos no setor público discutível, o parâmetro mais adequado, segundo os especialistas, é o mais conservador: contar apenas as carteiras assinadas. Ele resulta em quase 50% da promessa cumprida.
A segunda promessa mais marcante de Lula na área trabalhista era dobrar o poder aquisitivo do salário mínimo em quatro anos. A discussão a respeito do atendimento dessa promessa também depende da escolha do critério. Quando Lula assumiu, o salário mínimo estava fixado em R$ 200. Com os quatro reajustes anuais, ele atingiu R$ 350, um aumento nominal de 75%. Essa é uma conta simples, mas ruim, pois desconsidera o efeito daninho da inflação entre 2003 e 2006. Descontada a inflação, o salto para R$ 350 representa um aumento real de 25,3%. Bom, se comparado com o passado, mas aquém da promessa.
Outro método aceitável é averiguar o que ocorreu com o salário mínimo em relação à cesta básica. Lula falava sempre em dobrar "o poder de compra". Em 2003, o salário de R$ 200 comprava 1,4 cesta. Hoje, os R$ 350 compram 2,2 cestas, uma melhora de quase 60%. Esse critério parece ser o mais próximo da realidade das pessoas que recebem o salário mínimo, pois elas usam a maior parte de seus ganhos na compra de produtos da cesta básica.
Há ainda a comparação direta com produtos de consumo popular, como arroz, feijão e cimento. É o critério preferido dos petistas. Em 2003, um salário mínimo comprava 63 quilos de feijão, 131 de arroz ou 11 sacos de cimento. Hoje, compra 133 quilos de feijão, 257 de arroz ou 21 sacos de cimento. Tudo isso ocorreu porque os preços de vários produtos populares caíram nos últimos anos.
Outro compromisso histórico do PT era a reforma trabalhista, com a adoção de medidas para fortalecer as centrais sindicais, flexibilizar as cláusulas da CLT e reduzir a jornada de trabalho de 44 horas semanais para 40, sem redução dos salários. Lula prometia montar o Fórum Nacional do Trabalho, reunindo patrões, empregados e governo. O Fórum foi criado e fatiou a reforma em duas: uma sindical, a outra trabalhista. A parte sindical foi enviada ao Congresso. A fatia trabalhista, com as mudanças na CLT, nem saiu do Fórum. Lula provavelmente terminará o mandato sem enviar esse projeto. "A CLT prevê muita proteção individual, mas não há proteção coletiva", diz o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. "Por isso, a reforma sindical precisa ser feita antes da flexibilização da CLT." Na prática, a promessa não foi cumprida.
Qual o melhor critério?
Há três formas de medir a geração de empregos.
Todas têm vantagens e desvantagen
* Estimativa
8 principais promessas NOTA
Criar 10 milhões de empregos
O saldo de vagas criadas no governo Lula deverá chegar a 4,8 milhões 5
Dobrar o poder de compra do salário mínimo
Antes, o salário comprava 1,4 cesta básica. Hoje, compra 2,2 cestas, um aumento de 60% 6
Implantar o programa Primeiro Emprego
O governo tentou, mas as empresas não se interessaram, e o projeto fracassou 1
Juntar empregados e patrões para elaborar as reformas
O governo montou o Fórum Nacional do Trabalho para discutir e encaminhar as propostas da área 8
Reduzir a jormada de 44 para 40 horas semanais
Esse era um dos itens da reforma trabalhista, que nem foi mandada para o Congresso 0
Fazer a reforma sindical
O Fórum elaborou o projeto com o governo e mandou a proposta para o Congresso. Não houve empenho para aprovar nada 1
Criar multa para empresas com rotatividade exagerada
Não foi criado nenhum mecanismo para combater o excesso de rotatividade 0
Intensificar a fiscalização
A fiscalização contra a informalidade cresceu. O destaque foram as blitze contra o trabalho escravo 9
NOTA MÉDIA 3,8
Doutor em marketing?
Lula cumpriu várias promessas. Principalmente as que rendem
Ana Aranha
AÇÃO
Área desmatada em Santarém do Araguaia, Pará. Depois de oito anos, áreas como a retrada na foto começãoa diminuir
Remédio barato, ambulância e dentista de graça são apresentados pelo governo Lula como prova de êxito na gestão da saúde. Os programas Farmácia Popular, Serviço de Assistência Móvel de Urgência (Samu) e Brasil Sorridente, promessas de campanha em 2002, foram prioridades da saúde petista. Para eles, não faltou dinheiro. Dos três, apenas o Brasil Sorridente é visto pelos especialistas como uma iniciativa inteiramente eficaz. E médicos da área de saúde pública afirmam que a escolha desses programas como prioridade foi influenciada pelo apelo publicitário.
Essa crítica é freqüente em relação ao Samu. Durante o governo Lula, 789 municípios receberam ambulâncias novas. Segundo os dados oficiais, a frota tem potencial para atender 86 milhões de pessoas. Mas o projeto está incompleto. Além da distribuição de ambulâncias, o Samu previa a construção de prontos-socorros e hospitais de urgência. Nenhuma unidade foi levantada até agora. "As ambulâncias correm e todo mundo vê, mas não houve melhorias na infra-estrutura", diz o médico Eugênio Vilaça, ex-consultor da Organização Mundial de Saúde. "O governo se fixou apenas em parte do atendimento, uma solução parcial."
O programa Farmácia Popular, uma das principais promessas de 2002, também é questionado. Até agora há 2.614 unidades em funcionamento no país e outras 1.799 em implantação. O princípio é baratear remédios para a população que não os recebe de graça do Sistema Único de Saúde (SUS). O programa oferece descontos de 50% a 90% na compra dos medicamentos mais procurados, como para diabetes e hipertensão.
O Farmácia Popular ampliou o acesso a remédios na classe média baixa. Os críticos afirmam que os recursos seriam mais bem aplicados no aumento da rede de medicamentos gratuitos do SUS. "A política de medicamentos de qualquer governo deveria priorizar quem não tem acesso ao mercado", diz Paulo Elias, pesquisador de políticas de saúde da Universidade de São Paulo.
Os críticos também afirmam que, ao lançar o Farmácia Popular, o governo cedeu à tentação de dar mais peso ao apelo de marketing que à eficácia do gasto público. Pôr mais dinheiro na conta do SUS, um sistema que integra governos municipais, estaduais e federal, não traria dividendo político nenhum, enquanto o Farmácia Popular pode incrementar a imagem do governo. "É política midiática", diz o médico Vilaça. "O Farmácia Popular nega o princípio do sistema público universal. Começa cobrando remédio. Amanhã, para fazer tomografia, vão cobrar 20%."
O programa Brasil Sorridente, a terceira grande prioridade de Lula, é mais bem-visto pela comunidade de saúde pública. Em 2002, Lula assumiu o compromisso de dar prioridade à saúde bucal. Prometeu ampliar o atendimento, integrá-lo ao programa Saúde da Família e implantar núcleos regionais de especialidades. Todas essas promessas foram cumpridas. O governo criou 420 Centros de Especialidades Odontológicas. O número de Equipes de Saúde Bucal triplicou em relação a 2002. Hoje, quase 4 mil municípios recebem atendimento.
A gestão petista surpreendeu ao manter iniciativas bem-sucedidas do governo anterior. Pode-se dizer que essa é uma obrigação de qualquer governante. No Brasil, contudo, a tradição tem sido abandonar o que o adversário fez e trocá-lo por um projeto com marca própria. A política dos medicamentos genéricos e o programa Saúde da Família, lançados na gestão FHC, não só foram mantidos, como ampliados.
A quantidade de remédios baratos com a tarja Genérico triplicou nas farmácias. O investimento no Saúde da Família, programa de prevenção em que médicos visitam as famílias em casa, cresceu 80%. A rede de atendimento foi ampliada, com a criação de 9.402 equipes de médicos. Mas, durante a campanha, Lula havia prometido criar 30 mil novas equipes caso fosse eleito. Prometeu também beneficiar 70% dos brasileiros. Hoje, o programa alcança 45% da população. Embora tenha entregado menos do que prometeu na campanha, o resultado foi bom.
Na área de saúde, existe uma promessa perpétua. Todos os candidatos dizem que, se eleitos, cumprirão o orçamento mínimo para a saúde previsto na Constituição. De acordo com a lei, o governo é obrigado a repassar para a saúde um volume de receita igual ao do ano anterior, corrigido de acordo com a variação do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2002, Lula fez a promessa, mas não a cumpriu. Fez de conta que investia em saúde, mas aplicou o dinheiro em outras áreas. O Bolsa-Alimentação é um deles. Mais apropriado para o orçamento do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no ano passado ele recebeu R$ 2 bilhões das verbas destinadas à saúde. A quantia equivale a 6% das despesas anuais da área.
Cumprindo ou não a Constituição, a verba destinada para a saúde no Brasil é pequena perto da média dos países desenvolvidos. "A situação é insustentável", diz o médico Miguel Srougi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Em 2005, os Estados Unidos destinaram US$ 6.400 para a saúde de cada habitante, o Canadá US$ 4 mil e a França US$ 3 mil. Nós ficamos com US$ 170."
Cansados de ver presidentes, governadores e prefeitos passar a perna nas contas da saúde, muitas entidades ligadas à área brigam pela regulamentação da Emenda Constitucional 29. Essa norma delimita com precisão o que pode e o que não pode ser considerado gasto de saúde. "Atualmente, cada um pendura o que quer nessa conta. O governo Lula diz que o Bolsa-Alimentação é um programa para imunização", afirma Eugênio Vilaça. Aprovar a Emenda 29 seria um ato simples e não exige recursos extras. Mas o governo Lula não se interessou.
Ficou no meio do caminho
O investimento no Saúde da Família cresceu 80%. Isso não bastou para cumprir a promessa
Fonte: Ministério da Saúde
9 principais promessas NOTA
Criar as farmácias populares
Há 2.614 unidades funcionando no país e 1.799 em implantação 9
Criar rede de prontos-socorros e serviços de resgate
Entregou ambulâncias a 789 municípios, mas não fez os prontos-socorros prometidos 2
Ampliar o atendimento de saúde bucal
Foram criados 420 Centros de Especialidades Odontológicas. O total de Equipes de Saúde Bucal triplicou 9
Aumentar para 30 mil o número de equipes do Saúde da Família e atender 70% dos brasileiros
O governo criou 9.402 equipes, 70% do que prometeu. O atendimento chega a 45% dos brasileiros hoje 7
Cumprir os gastos com saúde previstos na Constituição
Governo diz que cumpre. Mas inclui programas de outras áreas na conta da saúde 2
Ampliar os medicamentos genéricos
O leque de remédios disponíveis como genéricos praticamente triplicou. Foi de 643 para 1.847 10
Criar unidades geriátricas de referência com pessoal especializado
Lula instituiu uma legislação e promoveu um pacto nacional pela saúde do idoso. Mas nada disso chegou a resultados práticos, segundo os médicos 2
Ampliar a oferta de UTIs neonatais
Segundo os dados oficiais, criou 890 leitos, um aumento de 42% 7
Garantir o fluxo de medicamentos para aids
Houve focos de desabastecimento, mas o governo aumentou o orçamento do programa e conseguiu manter a distribuição universal 8
NOTA MÉDIA 6,2
Fizeram só o mais fácil
O governo Lula temeu o desgaste político e recuou na briga por mudanças
Ricardo Mendonça
OUSADIA
Ação do PCC em São Paulo. O crime organizado desafia o poder público
Com os ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, a indignação tomou conta da sociedade, que se sentiu refém do crime organizado. E o tema segurança pública passou a ocupar o centro do debate político e eleitoral. Com certeza, a imagem mais afetada pela onda de violência foi a do candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin - o PCC floresceu durante sua gestão no governo paulista. Mas é possível afirmar que a ação - ou omissão - do governo federal também foi responsável pelo recrudescimento da violência.
Na área de segurança, o governo Lula falhou onde seus antecessores também falharam. Não reformou as instituições públicas da área. Elas funcionam mal e continuam a ter a mesma estrutura da época da ditadura militar. Em 2002, Lula prometera fazer três grandes mudanças estruturais: criar o Sistema Único de Segurança Pública, vincular a Secretaria Nacional de Segurança à Presidência da República (o órgão é subordinado ao Ministério da Justiça) e reformar a Constituição para permitir a integração das polícias Civil e Militar.
Dessas três promessas, o governo começou a levar adiante apenas a criação do sistema único. Batizado Susp e instituído no primeiro ano de mandato pelo ex-secretário nacional de Segurança Luiz Eduardo Soares, ele serve para integrar as polícias de todo o país e melhorar a troca de informações. Deve também promover cursos, pesquisas, intercâmbio e treinamentos especiais de policiais. Mas essa ação ainda é incipiente. "Não dá para dizer que o Brasil tem um sistema nacional de segurança como na área de saúde", diz Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
460 mil
armas de fogo
foram recolhidas
pelo governo
na campanha
nacional pelo
desarmamento
A vinculação da Secretaria Nacional de Segurança Pública à Presidência da República seria uma maneira de valorizar o tema dentro da administração. A idéia morreu porque o governo temia se associar a um tema politicamente desgastante. Como a promessa foi arquivada, o assunto continuou a ser apenas parte das atribuições do ministro da Justiça, que trata de várias outras questões, como a indígena, lavagem de dinheiro ou direito do consumidor.
O outro grande recuo do governo foi decidir não promover a desconstitucionalização do tema segurança. A idéia por trás desse palavrão é dar maior autonomia aos Estados para montar forças policiais eficazes e unificar, onde for o caso, as polícias Civil e Militar. Mas o envio da reforma constitucional ao Congresso significaria enfrentar um lobby poderoso das corporações policiais. O governo não quis comprar essa briga.
O saldo de três anos e meio de administração petista na área de Justiça e Segurança, porém, não é totalmente negativo. O programa do PT de 2002 dava ênfase ao fortalecimento da Polícia Federal. E isso foi feito. Foram contratados 3 mil homens para a PF. A instituição passou a prender mais traficantes, sonegadores e contrabandistas. Na Operação Vampiro foram presas 17 pessoas acusadas de montar uma máfia na área de hemoderivados no Ministério da Saúde. Na Operação Curupira, com 101 presos, uma organização criminosa de madeireiros foi desmantelada no Pará. Na Operação Narciso, os donos da grife Daslu, em São Paulo, foram presos pela acusação de sonegação. Em alguns desses casos, a PF foi até criticada por exibicionismo. De acordo com os números oficiais, desde a chegada do PT ao poder foram feitas 261 operações com 3.405 prisões. Nos três anos anteriores, foram 20 operações com 54 prisões.
Outro destaque no rol das promessas cumpridas foi a política de desarmamento. A campanha patrocinada pelo governo recolheu 460 mil armas entre 2004 e 2005, cinco vezes mais que a meta inicial. De acordo com os especialistas, o sucesso da iniciativa foi uma das principais razões para a queda de 8% nas mortes por arma de fogo no Brasil em 2005. Os resultados da campanha pelo desarmamento eram comemorados abertamente pelos petistas até o ano passado. Mas foram esquecidos na propaganda da reeleição. O motivo foi a derrota do governo no referendo sobre as armas de fogo, cuja venda continuou a ser permitida.
O governo Lula também tomou iniciativas que não estavam no programa de 2002. Ajudou a aprovar a reforma do Judiciário e criou a Força Nacional de Segurança. A reforma do Judiciário havia anos caminhava vagarosamente no Congresso e teve apoio do governo na reta final. Ela incluiu pelo menos dois pontos relevantes, que enfrentavam a oposição de associações de magistrados e advogados. O primeiro foi a criação do Conselho Nacional de Justiça para exercer o controle externo sobre os tribunais. O segundo foi a instituição da súmula vinculante, que uniformiza as sentenças da Justiça quando já há decisão do Supremo Tribunal Federal. As duas medidas servem para dar mais transparência e agilidade à Justiça.
A Força Nacional é um grupo de 5 mil policiais emprestados dos Estados e treinados pelo governo federal. Ela foi criada para atuar em casos especiais, como rebeliões em presídios. Segundo os especialistas, um dos problemas da Força Nacional é que ela ainda é pequena. Seu dispositivo é insuficiente para enfrentar, por exemplo, as insurreições promovidas pelo PCC em São Paulo. Agora, em 2006, a promessa de Lula é ampliar esse total. Dificilmente a população aceitará mais um governo omisso em uma questão tão urgente quanto o combate ao crime organizado.
Frustração no campo
Defensor histórico dos sem-terra, Lula fez só o mínimo para não desagradar aos movimentos sociais
Flavio Machado
VIDA DURA
Acampamento de sem-terra em Eldorado dos Carajás, Pará. A espera continua
Na campanha de 2002, quando alguém perguntava algo sobre reforma agrária, o candidato Lula dava sempre a mesma resposta: "Sou a única possibilidade de haver uma reforma agrária tranqüila e pacífica neste país". Seu governo não conseguiu fazer nem uma coisa nem outra. A reforma não saiu. E a sucessão de assassinatos e ocupações no campo mostra que a segunda parte da frase também não foi cumprida.
A meta era assentar 400 mil famílias entre 2003 e 2006. Até o ano passado, 245.061 famílias haviam sido atendidas. Esses dados sugerem uma defasagem de 20% no cronograma. Segundo o governo, a meta será atingida integralmente. Mas, se isso ocorrer mesmo, a promessa estará 100% cumprida apenas nos números. Lula prometeu também dotar os assentamentos de infra-estrutura básica e pouco foi feito para isso. A maioria dos assentados espera por apoio técnico e financeiro para produzir. Faltam escolas, saneamento, postos de saúde, estradas. Não é por acaso que sobram histórias de trabalhadores que voltaram para as fileiras dos movimentos sociais na esperança de conseguir um lugar melhor.
O governo cita o Programa de Financiamento para a Agricultura Familiar (Pronaf) como uma medida do apoio aos assentados. Segundo Bastiaan Philip Reydon, professor da Universidade de Campinas, o montante posto à disposição pelo Pronaf é insuficiente. O valor máximo dos empréstimos já concedidos aos assentamentos é R$ 6 mil. "Conforme o tipo de cultura ou região, não dá para começar produção comercial alguma com isso", diz Reydon.
A paz no campo também não veio. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, nos três primeiros anos do atual governo foram registrados 150 assassinatos no meio rural, a maioria conflitos entre pistoleiros e lavradores pobres pela posse da terra. É mais que o total dos quatro anos do governo anterior, 120. Na contabilidade de ocupações, Lula também vai mal. Em três anos, ocorreram 1.324 ocupações de terra, apenas 39 a menos que o total registrado em todo o governo anterior.
O programa do PT para a reforma agrária era muito ruim, na opinião do sociólogo Zander Navarro, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador da Universidade Sussex, na Inglaterra. Um dos compromissos assumidos no documento petista era "seguir um plano progressivo de distribuição de terras independentemente de recursos orçamentários". Navarro classifica essa promessa como absurda: "Como é possível distribuir terras independentemente de recursos?".
Uma das promessas exeqüíveis do documento era a idéia de confiscar para a reforma agrária fazendas flagradas por exploração de mão-de-obra escrava, uma antiga reivindicação das entidades que combatem esse crime. Quando Lula assumiu, um projeto de emenda constitucional sobre isso hibernava havia sete anos no Congresso. Sem empenho forte do governo, ele continua parado na burocracia do Poder Legislativo.
3 principais promessas NOTA
Recuperar os assentamentos já existentes
Foram criadas linhas de crédito, mas o valor liberado por família é insuficiente 2
Assentar 400 mil famílias em quatro anos
Em três anos, o governo assentou 245 mil. Isso equivale, proporcionalmente, a 80% da promessa 8
Confiscar fazendas que exploram trabalho escravo
O projeto que previa a expropriação continua parado no Congresso 0
NOTA MÉDIA 3,3
Melhorou. Mas ainda é pouco
O desmatamento na Amazônia caiu 31%. Mesmo assim, o Brasil ainda perde o equivalente a um Sergipe de florestas por ano
Ricardo Mendonça
AÇÃO
Área desmatada em Santarém do Araguaia, Pará. Depois de oito anos, áreas como a retrada na foto começãoa diminuir
O tema meio ambiente foi o campeão de promessas na campanha de Lula em 2002. Na esperança de conquistar o apoio de entidades e militantes da área, o PT assumiu compromissos com todo mundo. Fez mais de 200 promessas, sem definir prioridades. No programa de governo - dois documentos com mais de 70 páginas -, dois deslizes apareciam com freqüência. Um deles foi prometer o que já existia. Lula anunciava, por exemplo, a adoção de políticas de combate à desertificação e a criação de leis para coibir a ocupação ilegal de florestas, idéias que já estavam na legislação. O outro deslize foi assumir compromissos fora da alçada federal. Estão nessa categoria algumas promessas que envolvem limpeza pública, planejamento urbano e até rodízio de veículos, questões municipais.
Naquilo que pode ser levado a sério, a avaliação do governo Lula deve ser feita a partir de quatro grandes promessas: estancar o desmatamento na Floresta Amazônica, adiar o uso comercial de alimentos transgênicos, incentivar fontes alternativas de energia e organizar a área de saneamento, com o objetivo de atrair investimentos privados.
No combate ao desmatamento da Amazônia, houve avanços significativos. De acordo com medições feitas por satélite, em 2005 a área desmatada foi 31% menor que em 2004. Além de expressivo, o índice marcou a inversão de uma tendência de oito anos consecutivos de alta. Nos próximos dias, o Ministério do Meio Ambiente deverá divulgar as informações de 2006. Segundo o secretário nacional de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, os números preliminares sugerem que pode haver nova queda.
Na opinião dos ambientalistas, dois fatores explicam a mudança: o primeiro foi o aumento da fiscalização. A Polícia Federal começou a atuar em operações de grande porte, como a Curupira, quando mais de cem pessoas ligadas a madeireiras ilegais foram presas. Nesse caso, o mérito do governo é inegável. O segundo motivo não tem nada a ver com Brasília. Em parte, a diminuição das derrubadas também é conseqüência das crises na pecuária e na soja, dois dos setores que mais fazem pressão sobre a floresta. Mesmo com a redução de 31%, a área desmatada em 2005 continuava grande: 19 mil quilômetros quadrados, área equivalente à do Estado de Sergipe.
Outro compromisso importante cumprido há poucos meses foi a aprovação da Lei de Florestas, que disciplina a exploração da madeira por meio de concessões de áreas públicas. A norma parte do seguinte princípio: é possível fazer uma exploração sustentável da mata e, dessa forma, quebrar o ciclo histórico baseado na apropriação ilegal de terras. "Essa foi, sem dúvida, a iniciativa mais importante do governo Lula na área de meio ambiente", afirma Mário Mantovani, diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, um dos maiores especialistas no assunto do país.
No capítulo dos transgênicos, a posição historicamente defendida pelo PT sofreu uma derrota grande e uma vitória relativa. "A derrota - o não-cumprimento da promessa - foi não conseguir impedir a entrada e a legalização das sementes transgênicas no país", diz Adalberto Marcondes, diretor da agência Envolverde, especializada em notícias sobre o meio ambiente. "Isso apesar de um discurso que afirma ainda não haver 100% de certeza a respeito do impacto que elas podem trazer para a saúde e a agricultura." Com o jogo perdido, o Ministério do Meio Ambiente conseguiu marcar um gol de consolação. Sua posição favorável à rotulagem dos alimentos transgênicos acabou prevalecendo, apesar da oposição da indústria.
Quanto à promessa de incentivar o desenvolvimento de fontes alternativas de energia, a maior vitrine foi a criação do programa do biodiesel, combustível biodegradável derivado de fontes renováveis, como mamona e dendê. Esse óleo substitui parcialmente o óleo derivado do petróleo nos motores, com a vantagem de poluir bem menos. O programa, porém, ainda tem mais importância para gerar empregos no campo que para preservar o ambiente, pois a substituição do petróleo ainda é residual. Mais impactante no mercado e no meio ambiente foi a ressurreição do álcool combustível. Hoje, de cada dez carros novos vendidos, oito aceitam álcool no tanque. O setor sucroalcooleiro foi o único com um programa próprio de governo em 2002. As políticas para recuperação desse segmento econômico estavam descritas num caderno especial de 32 páginas.
Entre os compromissos do programa de governo que ficaram para trás, o mais lamentável, segundo os ambientalistas, foi a falta de solução para aquilo que os economistas chamam de marco regulatório do saneamento: as leis que serviriam para organizar o setor, atualmente repartido entre Estados, municípios e iniciativa privada sem critérios muito claros. Para muitos, o responsável pela falta de investimentos de empresas privadas e do próprio setor público é a falta de segurança jurídica nessa área. Foi um problema grave, que o governo Lula não resolveu.
UMA NOVA TENDÊNCIA?
Após oito anos, o desmatamento da Amazônia caiu
(área desmatada - em 1.000 km2)
7 principais promessas NOTA
Deter o desmatamento da Amazônia
O desmatamento cresceu um pouco em 2004. Pela primeira vez em oito anos, caiu 31% no ano passado 8
Evitar a devastação da Mata Atlântica
De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, o desmatamento dessa vegetação caiu mais de 70% 9
Adiar a produção e a venda de transgênicos
O Ministério do Meio Ambiente até tentou, mas não conseguiu evitar a entrada dos transgênicos. Venceu apenas na questão da rotulagem 1
Incentivar fontes alternativas de energia
O governo criou o programa de biodiesel e apoiou a produção dos carros flex, sensação da indústria automobilística 10
Implantar uma política nacional de saneamento
Seria uma medida fundamental para organizar o setor. Mas o projeto só começou a andar recentemente no Congresso 2
Zoneamento ecológico econômico para novas rodovias
Segundo os ambientalistas, esse zoneamento, base para a preservação ambiental, funcionou na rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Precisa ser ampliado para outras áreas 7
Combater a biopirataria
A Polícia Federal criou delegacias de meio ambiente em todos os Estados. O Brasil defendeu na ONU a criação de um regime internacional para deter a biopirataria. Venceu uma disputa diplomática de mais de dez anos 8
NOTA MÉDIA 6,4
Resultado simbólico
Lula teve o mérito de pôr o racismo em pauta. Mas a proposta de cotas conseguiu pouco resultado prático
Ana Aranha
CHANCE
Kelly Machado (ao centro) veio da escola pública e hoje faz Farmácia na Uniban, em São Paulo. Como ela, 105 mil negros receberam bolsa do ProUni
O governo Lula foi o que mais avançou no campo simbólico do combate à discriminação. Criou a Secretaria da Igualdade Racial, elaborou um plano nacional para o tema e promoveu a presença de negros em cargos de relevância. Uma das iniciativas mais marcantes foi a nomeação do primeiro ministro negro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. Na hora tirar do papel os programas, porém, o avanço foi tímido. "Lula fez mais que os outros, mas muito menos do que deveria ter feito", diz o advogado Humberto Adami, especialista em causas raciais. "Em seu governo, pudemos discutir bastante, mas houve pouca mudança prática."
A principal promessa de campanha de Lula era aumentar a presença de negros na universidade e no mercado de trabalho. O mecanismo para isso era a política de cotas. O governo colocou na pauta do Congresso um projeto de lei que reservava vagas para negros e indígenas que estudaram em escolas públicas. Houve forte resistência de grupos contrários à idéia e o projeto acabou engavetado. Mais tarde, o governo tentou novamente. Incluiu um item sobre cotas no projeto de reforma universitária. A polêmica voltou com a mesma força, e o governo mais uma vez recuou. "Projetos estão tramitando e debates estão acontecendo", diz Ali Kamel, autor do livro Não Somos Racistas, contrário ao sistema de cotas. "Mesmo que para mim as cotas sejam um equívoco, Lula está cumprindo o que prometeu."
Para compensar as duas derrotas na tentativa de estabelecer as cotas, o governo recorreu a um programa que paga a mensalidade de estudantes pobres em faculdades particulares, chamado ProUni. Das 400 mil bolsas distribuídas pelo programa, 105 mil beneficiaram estudantes negros e mais de 200 alunos indígenas.
A Secretaria da Igualdade Racial, criada por Lula, tem atuação fraca. Apesar do status de ministério, nunca teve orçamento próprio. Para viabilizar suas ações, a pasta depende sempre da colaboração de outros ministérios. "Não temos equipe e estrutura suficientes para responder a toda a demanda", diz a ministra Matilde Ribeiro. "Avançamos, mas é claro que em quatro anos não seria possível dar conta dos 500 anos de história de discriminação racial."
Sem autonomia, a secretaria teve de pedir recursos para cumprir a promessa de fortalecer 2.500 comunidades que vivem em quilombos. A ministra Matilde precisou bater na porta de pelo menos cinco outras pastas. No Ministério do Desenvolvimento Agrário, conseguiu 28 títulos de terra. No de Minas e Energia, obteve rede elétrica para 200 comunidades. Na pasta das Cidades, conseguiu 2 mil casas. Apesar disso, os resultados acabam sendo sempre tímidos. "Para levar o título de governo da mudança, Lula deveria ter criado um ministério mais dinâmico", diz o diretor do Instituto Brasileiro da Diversidade, Hélio Santos. "A secretaria fez um bom trabalho. Mas o governo não."
5 principais promessas NOTA
Criar um centro de referência contra o racismo
A referência é a Secretaria de Igualdade Racial, criada por Lula no primeiro ano de governo 8
Garantir a inserção de negros nas universidades
A idéia do sistema nacional de cotas fracassou. A solução foi distribuir bolsas a negros e indígenas em faculdades particulares 5
Assegurar títulos de terra e fortalecer as comunidades que vivem em quilombos
Até o fim do ano, só 28 quilombos terão seus títulos. Alguns outros ganharam habitação, água e luz 3
Incentivar empresas para que desenvolvam programas de igualdade racial
O governo tentou, mas não conseguiu. Essa idéia está no Estatuto da Igualdade Racial, parado no Congresso 0
Promover programas de combate às doenças que ocorrem com mais freqüência em negros
Segundo especialistas, o governo fortaleceu o Programa de Anemia Falciforme, mas as mudanças ainda não chegaram ao atendimento 4
NOTA MÉDIA 4
Como educar sem dinheiro?
Lula até cumpriu as promessas do setor – menos as que exigiam investimento
Ricardo Mendonça
VIDA NOVA
Alunos do curso de Robótica num colégio técnico federal, em São Paulo. Lula revogou a lei que proibia a expansão dessas escolas
O educador Romualdo Portela, da Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores autoridades do país em política educacional, resume de forma nada animadora o que pensa da gestão petista na área: "Lula cumpriu todas as promessas feitas para a educação. Menos aquelas que envolviam a colocação de mais dinheiro no setor, ou seja, as principais".
A promessa mais relevante do PT era a criação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O fundo permitiria ao governo aplicar dinheiro novo na educação, progressivamente, até atingir a marca de R$ 5 bilhões por ano. Essa verba serviria de alavanca para o cumprimento de outras promessas: colocar todas as crianças de 4 a 6 anos na escola, aumentar os gastos gerais com educação até atingir 7% do Produto Interno Bruto (PIB) numa década e consolidar o Sistema Nacional de Educação (um regime de colaboração entre União, Estados e municípios, em que as grandes decisões seriam tomadas sempre em conjunto).
Como o Fundeb até agora não saiu, as outras grandes promessas de campanha também não foram cumpridas. O governo demorou para começar a discutir os termos do fundo com os Estados e as entidades da área. Por isso, o projeto só foi enviado ao Congresso no fim do ano passado. O tema foi aprovado na Câmara dos Deputados em janeiro e passou no Senado em julho. Como sofreu pequenas alterações, precisa ser novamente discutido na Câmara. Mesmo que isso acontecesse hoje e que o projeto fosse lançado na semana que vem, o Fundeb só começaria a produzir efeitos práticos a partir de 2007.
A educação tinha tudo para ser um dos pontos fracos de Lula no esforço pela reeleição. Além de não cumprir as principais promessas feitas na campanha de 2002, a gestão do ministério foi conturbada até a metade do mandato. Em três anos e meio, a pasta foi chefiada por três ministros. A instabilidade provocou mudanças abruptas de equipes e prioridades.
O ex-petista Cristovam Buarque, hoje candidato do PDT à Presidência da República, ficou pouco mais de um ano no cargo e protagonizou algumas brigas públicas com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Nesse período, Buarque ficou conhecido por propostas de pouca viabilidade, como federalizar o ensino básico ou transferir a responsabilidade do ensino superior ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Nada disso aparecia no programa de governo do PT e, segundo os críticos, nem sequer havia sido discutido dentro do governo.
Buarque foi substituído pelo petista Tarso Genro. O novo ministro mudou a orientação geral do ministério e passou a dar ênfase maior ao ensino superior - atribuição prioritária do governo federal, de acordo com a Constituição. Genro também ficou pouco tempo no cargo. Um ano e meio depois de sua nomeação, no auge da crise do mensalão, ele saiu do governo para atuar como interventor no PT. Foi substituído no ministério por seu secretário-executivo, Fernando Haddad.
27% é o aumento
de vagas nas
universidades
públicas.
A promessa
era dobrar
Apesar dos problemas, os eleitores avaliam positivamente o trabalho do governo Lula na educação. De acordo com uma pesquisa do Vox Populi divulgada no começo de junho pela revista Carta Capital, 32% dizem que a gestão é ótima ou boa. Outros 45% dizem que é regular. Foi a segunda área mais bem avaliada do governo Lula. A primeira é a política de apoio a famílias carentes, com 55% de ótimo e bom.
Para o coordenador-geral da ONG Ação Educativa, Sérgio Haddad (nenhum parentesco com o ministro), há dois fatores para explicar essa aparente contradição. O primeiro é o impacto positivo do ProUni, programa que paga integral ou parcialmente as mensalidades de estudantes carentes em faculdades particulares. Conforme estava previsto no programa de campanha, o ProUni deverá atingir a meta de 400 mil beneficiados até o fim deste ano. O segundo motivo, na visão de Sérgio Haddad, seria o fato de muita gente associar o Bolsa-Família à educação, um equívoco, segundo ele. "O Bolsa-Família tem como contrapartida a manutenção das crianças na escola, mas é muito mais um programa de renda que de educação", diz.
Um compromisso sempre repetido pelos petistas em suas campanhas é fortalecer a universidade pública. Em 2002, Lula prometia dobrar o total de vagas nas federais. Quando assumiu a Presidência, em janeiro de 2003, essas faculdades ofereciam 121 mil vagas de ingresso. Algumas novas universidades foram abertas, outras foram ampliadas. Em janeiro de 2007, segundo os números do MEC, haverá 154 mil vagas para ingresso. O aumento de 27% é classificado como "significativo" pelos estudiosos ouvidos por ÉPOCA. Mas, como a promessa era exagerada, dobrar o total de vagas, o resultado ficou muito aquém do compromisso assumido em 2002.
O mesmo raciocínio vale para a promessa de zerar o analfabetismo em quatro anos, discurso considerado demagógico entre os estudiosos do tema. O governo Lula, segundo os analistas, teve o mérito de transferir esse assunto para o MEC e de reconhecer a alfabetização como direito fundamental. Com isso, tirou o caráter assistencial que existia quando o tema ficava sob a responsabilidade da mulher do presidente.
Segundo o governo, o programa Brasil Alfabetizado já atendeu 5 milhões de analfabetos totais e funcionais. Como havia 16,8 milhões de brasileiros completamente analfabetos com 15 anos ou mais em 2002, o resultado também passou longe da promessa feita na campanha. Hoje, mais de 10% da população nessa idade ainda não sabe ler nem escrever.
Como educar sem dinheiro?
Lula até cumpriu as promessas do setor – menos as que exigiam investimento
Ricardo Mendonça
10 principais promessas NOTA
Elevar o gasto para 7% do PIB em dez anos
Nos três primeiros anos de mandato, essa proporção não saiu dos 4,2% do Produto Interno Bruto 0
Criar o Fundeb
O governo fez o projeto, mas mandou a proposta para o Congresso com atraso. O Fundeb só começará a funcionar em 2007 3
Criar o Sistema Nacional de Educação
Sem a implantação definitiva do Fundeb, o regime de cooperação da União com Estados e municípios não existe 0
Colocar toda criança de 4 a 6 anos na escola
A universalização está mais próxima, mas também só vai virar realidade depois que o Fundeb começar 2
Adotar novos mecanismos para dar aos menos favorecidos acesso ao ensino superior
Enquanto uma lei espera votação no Congresso, 14 universidades federais já adotaram cotas no vestibular 8
Dobrar as vagas nas universidades públicas
A oferta de vagas para ingresso nas federais cresceu 27%, índice robusto na comparação com os anos anteriores. O problema foi o exagero da promessa 3
Rever o Provão
O Provão foi trocado por um modelo mais completo, com prova, avaliações de curso e institucional 10
Fortalecer a rede de escolas técnicas federais
Uma lei que proibia a expansão das técnicas foi revogada. O total de escolas desse tipo cresceu de 140 para 199 10
Substituir o crédito educativo por um programa para 396 mil estudantes
Esse é o ProUni. Há, segundo o governo, 400 mil estudantes beneficiados 9
Erradicar o analfabetismo
A taxa herdada, de 11,8%, deverá cair. Só que continuará acima de 10% 3
NOTA MÉDIA 4,8
Demorou, mas saiu
No último ano de mandato, Lula liberou R$ 1 bilhão para moradia popular. Se tivesse feito isso antes, muita gente já poderia estar vivendo melhor
Ana Aranha
COMO ERA
As palafitas da Favela Brasília Teimosa, no Recife, sofriam com o avanço do mar
Na disputa presidencial de 1989, a campanha do então candidato Fernando Collor de Mello espalhava um rumor: se Lula fosse eleito presidente, colocaria os sem-teto para morar dentro da casa do brasileiro de classe média. A estratégia distorcia uma das principais promessas petistas para a habitação - reformar e reutilizar imóveis vazios do governo. Essa promessa está no Projeto Moradia, um dos mais caprichados programas petistas. Nele, Lula prometia também urbanizar favelas e investir na habitação para a população pobre.
Estima-se em 6,5 milhões o número de famílias morando em situação de extrema precariedade no país. Elas improvisaram suas casas em favelas, pagam aluguel incompatível com a renda e dividem o teto com outras famílias.
Desde a ameaça de Collor, passaram-se 15 anos e quase um mandato inteiro de Lula. E o quadro não mudou muito. Nem os sem-teto invadiram a propriedade da classe média, nem o déficit habitacional caiu de maneira significativa. Quando tomou posse, Lula afirmou que daria mais atenção ao tema criando o Ministério das Cidades. O órgão articula programas de moradia com a distribuição da rede de saneamento e de transporte.
6,5 milhões
é o número de
famílias que
moram em
situação precária
no Brasil
Mas Lula demorou para investir no próprio projeto. Segurou os recursos da pasta até o último ano, para economizar dinheiro usado no pagamento de juros da dívida pública. O resultado, agora, é uma corrida contra o relógio eleitoral. Ainda assim, se o ministério cumprir as metas que fixou para o fim de 2006, a gestão Lula na habitação terá sido fiel a grande parte de suas promessas.
A principal diretriz do programa foi seguida. Há mais verba para famílias que ganham até cinco salários mínimos, a renda máxima das consideradas no cálculo do déficit habitacional. Para isso, o mecanismo mais importante é o fundo para Habitação de Interesse Social. Com ele, as cidades podem fazer obras de urbanização, reformas nas moradias precárias e subsidiar parte do financiamento das casas novas.
Só que Lula segurou o fundo até 2006. O ministério, portanto, tem 12 meses para gastar R$ 1 bilhão. A boa notícia é que, em resposta a uma campanha do governo, a maioria das cidades já havia enviado suas demandas em habitação popular. Isso deve tornar mais ágil a aplicação do dinheiro. Em 2002, Lula disse que precisaria de 15 anos para entregar os 6,5 milhões de moradias do déficit. Em três anos, fez 1,2 milhão de novas casas, reformas e urbanizações. Cumpriu 90% do que prometeu.
O saldo é positivo, segundo avaliação da urbanista Maria Lúcia Refinetti, coordenadora do Laboratório de Habitação da Universidade de São Paulo. "O funcionamento da máquina ainda é lento, mas a moradia ganhou uma estrutura de administração pública que não tinha antes", diz.
Demorou, mas saiu
No último ano de mandato, Lula liberou R$ 1 bilhão para moradia popular. Se tivesse feito isso antes, muita gente já poderia estar vivendo melhor
Ana Aranha
COMO FICOU
224 famílias da Favela Brasília Teimosa, no Recife, foram transferidas para um conjunto habitacional
Para Maria Lúcia, o maior problema hoje são os entraves jurídicos que atrasam e muitas vezes inviabilizam a emissão do título de propriedade para quem mora em favelas e ocupações irregulares. Sem esse título, não é possível receber recursos dos programas habitacionais. Segundo cálculos do governo, de cada três domicílios urbanos no Brasil, um está em situação irregular. A secretária de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik, diz que a emissão de um título leva no mínimo seis meses. Geralmente, leva mais tempo.
Em resposta a essa dificuldade, Lula editou uma medida provisória em abril deste ano. Ela agiliza a emissão de novos títulos para propriedades que pertenciam à União. "Nossa meta era dar 400 mil títulos de propriedade e ter 1 milhão de domicílios em processo de regularização até o fim de 2006", afirma Raquel. Segundo ela, em maio havia 250 mil famílias com títulos em mãos e 1,5 milhão aguardando o processo. "O programa é importante, mas poderia ter saído mais rápido", afirma Benedito Barbosa, da Central de Movimentos Populares, um dos maiores movimentos por moradia do país.
A única promessa que não saiu do papel foi aquela usada como ameaça por Collor em 1989. Apesar de o INSS ter oferecido 700 prédios para moradia em todo o país, nenhum deles começou a ser reformado.
5 principais promessas NOTA
Entregar 6,5 milhões de moradias em 15 anos
Em três anos, entregou 1,2 milhão. Isso equivale, proporcionalmente, a 90% da meta do período 9
Dar título de propriedade a imóveis irregulares, como barracos de favelas
250 mil títulos foram entregues e 1,5 milhão estão em processo de emissão. O governo quer chegar a 400 mil até o fim do ano 8
Racionalizar o uso de imóveis urbanos vagos
O governo editou uma medida que agiliza o uso de imóveis da União, mas as reformas não começaram 2
Incentivar prefeituras a elaborar planos de ação e de moradia
O governo mobilizou 1.500 municípios para fazer leis que orientam investimentos em habitação, transporte e saneamento. A adesão foi de 90% 9
Fazer um plano de habitação que integre cidades, Estados e a União
No último ano, o governo criou o Sistema Nacional de Habitação e um fundo de R$ 1 bilhão para famílias com renda inferior a 5 salários 7
NOTA MÉDIA 7
ob o estigma do mensalão
O governo investiu na prevenção de fraudes. Mas o escândalo do valerioduto ficou como o símbolo mais forte de desvio do dinheiro público
Ricardo Mendonça
PARADOXO
José Dirceu no dia da cassação. Símbolo do governo que atacou a corrupção, mas ficou marcado por ela
O mandato presidencial de Lula carrega o estigma do mensalão. O escândalo desencadeado pelas revelações do ex-deputado Roberto Jefferson, do PTB do Rio de Janeiro, foi ainda mais chocante porque o PT sempre cultivou uma imagem de partido da ética, melhor que os demais e, portanto, sempre pronto a denunciá-los ou julgá-los. Uma vez no poder, essa imagem ética começou a ruir no caso Waldomiro Diniz, assessor do ex-ministro José Dirceu flagrado cobrando propina de um bicheiro. Levou um novo golpe com as acusações de Jefferson de envolvimento de Dirceu em esquemas de financiamento ilegal de campanha e compra de votos no Congresso. E a imagem de Lula também foi manchada pelas acusações de corrupção que atingiram seu partido.
É curioso notar que, em 2002, o combate à corrupção praticamente não existiu na campanha do PT. Talvez por recomendação dos marqueteiros, preocupados em construir a imagem do "Lulinha paz e amor", o tema não foi discutido por Lula em nenhum dos três debates nas TVs, não apareceu nos palanques e foi abordado apenas superficialmente em entrevistas.
Para não passar em branco, Lula endossou em 2002 um documento de 17 páginas chamado Combate à Corrupção - Compromisso com a Ética. Essa apostila, divulgada apenas discretamente, continha promessas de todos os tipos. Desde as absolutamente genéricas, como construir um modelo nacional de Orçamento Participativo (idéia abandonada), até as totalmente exeqüíveis, como o compromisso de implantar ouvidorias nos mais importantes órgãos do Executivo (quase cumprida).
A idéia central do programa petista era dar apoio à criação imediata de uma agência de combate à corrupção. Sua função seria implementar várias medidas de efeito preventivo. Com atraso de dois anos e outra denominação (sem a expressão "agência", inadequada do ponto de vista legal), esse órgão acabou sendo montado dentro do governo. É a Secretaria de Prevenção da Corrupção, departamento vinculado à Controladoria-Geral da União, a CGU.
A Controladoria,
órgão de combate
à corrupção,
foi aparelhada e,
em 2005,
seu orçamento foi
elevado para
R$ 53,2 milhões
A criação dessa secretaria subordinada à CGU também contempla outra promessa importante listada no programa de Lula: fortalecer a própria CGU. Em 2003, quando o PT assumiu o poder, ela não tinha orçamento próprio e dependia de transferências de outros departamentos. A unidade orçamentária foi criada em 2004 e, em 2005, a verba cresceu de R$ 37,9 milhões para R$ 53,2 milhões. De acordo com o ministro Jorge Hage, titular da pasta, o fortalecimento da CGU pode ser medido pelos seguintes números: nos últimos dois anos foram admitidos 750 analistas, houve aumentos salariais de até 115% para técnicos e analistas, foram comprados 1.588 computadores, 300 notebooks, 17 veículos, 30 câmeras digitais e 45 aparelhos GPS. "O governo promoveu, na verdade, a construção de um organismo novo dentro da administração", diz Hage.
Entre as atividades desenvolvidas pelo órgão, o destaque foi a criação do Programa de Fiscalização de Estados e Municípios a partir de sorteios. A cada dois meses, 60 municípios e 12 Estados são escolhidos para receber a visita dos técnicos da CGU. As equipes de fiscais desembarcam nas localidades e fazem uma apuração minuciosa da aplicação dos recursos transferidos pelo Executivo. Mais de 900 municípios foram visitados até agora e diversas irregularidades foram flagradas. Foi por meio desse programa que a CGU identificou a extensão do esquema das sanguessugas, o superfaturamento na compra de ambulâncias feito, segundo as denúncias, em conluio com deputados e senadores.
As promessas de Lula para combater a corrupção também envolviam tecnologia. O programa prometia colocar na internet os dados do Siafi, programa por meio do qual o Ministério da Fazenda fiscaliza os gastos públicos, e um site para acompanhamento de licitações e contratos. Nem tudo foi feito. Apenas parte do Siafi está disponível na rede, mas no site de uma entidade que nada tem a ver com o Executivo.
Houve avanço, porém, com o lançamento do Portal da Transparência, em 2004. Trata-se de um site administrado pelo governo que exibe, sem necessidade de senha ou cadastro prévio, todos os gastos diretos dos órgãos federais, 100% das verbas transferidas para Estados e municípios, ação por ação, as despesas de todos os cartões de crédito corporativos dos ministérios e a lista completa de todas as pessoas beneficiadas pelos programas de transferência de renda, com nome e CPF de cada um.
Sob o estigma do mensalão
O governo investiu na prevenção de fraudes. Mas o escândalo do valerioduto ficou como o símbolo mais forte de desvio do dinheiro público
Ricardo Mendonça
A riqueza de detalhes do Portal da Transparência impressiona. Um exemplo: é possível saber com apenas quatro cliques quem é e quanto já recebeu cada um dos 4.221 beneficiários do Bolsa-Família no pequeno município de Anajatuba, no Maranhão. Ou em qualquer um dos mais de 5.500 municípios do país. Isso é um passo enorme, pois possibilita a fiscalização por parte do cidadão comum. "A massa de informações públicas disponíveis no Brasil está acima do que existe nos países com o mesmo padrão de renda e, às vezes, acima do padrão de muitos países desenvolvidos", diz Cláudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil.
Embora não constasse do capítulo de promessas de Lula de combate à corrupção, um dos principais compromissos assumidos pelo PT em 2002 foi a reforma política. Nos últimos quatro anos, líderes partidários têm tentado animar a discussão sobre a reforma. Mas ela não saiu do papel. Um dos motivos foi o desinteresse do governo Lula em se envolver com o assunto. Essa omissão e a forma como o Planalto montou sua base de sustentação parlamentar talvez expliquem por que ela é apontada hoje como uma medida indispensável e urgente. À esquerda e à direita, passou a ser vista como salvação para tentar recuperar a credibilidade do sistema político, depois da sucessão de escândalos no Congresso. Para Lula e para o PT, o principal desafio - caso se confirmem as previsões de reeleição - não será apenas fazer a reforma política, mas sobretudo afastar o estigma do mensalão.
7 principais promessas NOTA
Apoiar a criação de uma agência anticorrupção
Com um pouco de atraso, o governo criou algo equivalente, a Secretaria de Prevenção à Corrupção 8
Reestruturar e fortalecer a CGU
O órgão ganhou orçamento próprio, funcionários e liberdade para atuar 9
Colocar na internet gastos, controles, licitações e repasses do governo
A maior parte dessas informações está no Portal da Transparência 8
Ampliar o total de ouvidorias dentro da administração
Em 2003, existiam 40 ouvidorias. De lá para cá, já foram criadas outras 92, além da Ouvidoria-Geral 8
Apoiar projeto de quarentena para servidores em cargos de confiança
Está pronto um projeto que amplia a quarentena de quatro meses para um ano, regula conflitos de interesse e proíbe licenças de servidores para atuar na iniciativa privada. Mas ele não foi encaminhado 2
Construir um modelo de Orçamento Participativo federal
No primeiro ano, só foi feito um rascunho da idéia 0
Fazer a reforma política
Não era uma proposta original da política de combate à corrupção. Hoje, a reforma está associada a ele. E nada foi feito 0
NOTA MÉDIA 5
Pegou com a esquerda e tocou com a direita
Lula cumpriu todas as promessas da Carta ao Povo Brasileiro. Só não mostrou a mesma eficiência em relação aos compromissos do programa do PT
Ricardo Mendonça
AFINADO
O presidente Lula brinca com um violino na inauguração de uma escola em São Paulo
Lula disputou a eleição de 2002 com dois programas econômicos: o gordo e o magro. O primeiro, com 40 páginas, foi elaborado de acordo com a tradição do PT, com muitas comissões e muito debate interno. Era um cronograma de reformas com promessas de política industrial e estabilidade econômica. Falava em crescimento, rigor fiscal, redução dos juros, respeito aos contratos, fim das privatizações, imposto sobre grandes fortunas e manutenção do superávit primário "o quanto for necessário". Na época, final do governo FHC, o Brasil vivia um momento de instabilidade econômica. O risco país era recorde, o dólar havia ultrapassado R$ 4 e a inflação anualizada superava 30%. Era comum avaliar o motivo para pânico como sendo o "risco Lula" - a insegurança dos investidores quanto a um iminente governo petista.
Foi nesse clima que a cúpula do partido lançou o segundo programa, o magro, de apenas quatro páginas. Batizado de Carta ao Povo Brasileiro, o novo documento repetia, às vezes com as mesmas palavras, parte das promessas que já estavam no programa original, como rigor fiscal, estabilidade, respeito aos contratos e manutenção do superávit "o quanto for necessário". Todo o resto foi omitido. Não mencionava temas que poderiam assustar o mercado financeiro, como política industrial, fim das privatizações e impostos sobre grandes fortunas. Apesar do nome, a Carta ao Povo Brasileiro era muito mais dirigida ao mercado financeiro que ao povo.
Do ponto de vista político, essa distinção foi fundamental para Lula em 2002. Naquela situação, a carta funcionou como espécie de contrato entre o PT e o mercado. Era a reafirmação de que não haveria aventuras em troca do fim dos ataques especulativos. Hoje, no balanço de quase quatro anos de mandato, a distinção continua atual. O governo cumpriu todos os compromissos listados com ênfase na carta. Não teve a mesma eficiência em relação às promessas do programa original, o gordo. "Lula tem uma intuição política forte sobre como distribuir o poder", diz o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. "Ele percebeu com clareza o que precisava cumprir e o que poderia adiar."
O governo foi tão rigoroso com a carta que hoje chega a ser criticado por ter exagerado ao cumprir algumas promessas. O maior exemplo é a preservação do superávit primário, a economia feita para pagar juros da dívida pública. Quando Lula assumiu, havia uma meta combinada com o Fundo Monetário Internacional de economizar o equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto. Em 2003, o índice foi atingido. Em 2004, a meta era igual, mas o superávit cresceu para 4,59%. Mesmo depois de não renovar o acordo com o FMI, o governo manteve a meta de 4,25% e continuou economizando cada vez mais: 4,84% em 2005 (o que representa R$ 93,5 bilhões) e 5,77% até junho deste ano. Ultimamente, o governo vem dando sinais da intenção de não ficar mais tão acima da meta.
As diferenças depois da vírgula são maiores do que parecem. Só o 0,59 ponto acima da meta em 2005 equivale a R$ 11,4 bilhões. É um valor 27% maior que todo o dinheiro reservado ao Bolsa-Família, o maior programa de transferência de renda do mundo. Essa economia serviu para inverter a tendência de aumento da dívida, que se mantinha desde 1994. Na posse, a dívida total era de 56,5% do PIB. Hoje está em torno de 50%.
R$ 11,4 bi
é o valor
economizado pelo
governo em 2005
além do estabelecido
na meta do superávit
As outras promessas cumpridas à risca foram o controle rígido da inflação, o respeito aos contratos e a diminuição da dependência externa. A forma mais adequada de medir isso é observar o saldo das transações correntes, o valor de todas as operações de compra e venda de bens e serviços do Brasil com outros países. Até 2002, essa conta era deficitária. Mostrava que o país dependia de investimentos externos para crescer. Em 2003, houve uma inversão. O ano terminou com um superávit de R$ 343 milhões. Em 2004, o superávit subiu para R$ 1,2 bilhão. E, no ano passado, atingiu R$ 14,2 bilhões, o melhor resultado desde 1947.
Das promessas não cumpridas, a mais frustrante refere-se ao crescimento. Lula falava em 5% ao ano. Depois de eleito, chegou a falar em "espetáculo do crescimento". Não foi o que se viu. Como a média de crescimento no governo anterior era de apenas 2,3%, a promessa equivalia a um incremento de 117% no desempenho da economia. O resultado ficou bem longe disso. Com um cenário externo favorável, o Brasil cresceu 0,5% em 2003, 4,9% em 2004 e 2,3% em 2005. Neste ano, o índice deverá ficar perto de 4%, na melhor das hipóteses. Com isso, a média anual da administração Lula não passará de 2,9%. Isso equivale a um incremento de apenas 26% em relação ao que existia antes. Muito pouco diante dos 117% prometidos.
Segundo Luis Fernando Lopes, economista-chefe do Pátria Banco de Negócios, o desempenho fraco do PIB é resultado de outras promessas cumpridas só parcialmente. A reforma tributária é uma delas. "Ela acabou com alguns impostos cumulativos, mas a mudança foi feita mais com a preocupação de não gerar perda de receita que de corrigir as distorções do sistema", diz Lopes. "Como a carga tributária acabou subindo, melhor seria não ter feito nada."
Desde 2003, nenhum tema econômico foi tão debatido como a política de juros. Lula prometia uma redução gradativa, sem falar em prazos. A análise sobre a trajetória das taxas mostra que a promessa foi cumprida. A taxa básica da economia, definida pelo Banco Central, era 25% na posse, caiu até os 16%, voltou a subir em 2005, mas apresenta trajetória de queda desde agosto do ano passado. Está em 14,25% hoje, a menor desde 1986. O índice, de qualquer forma, continua um dos mais altos do mundo.
12 principais promessas NOTA
Fazer o país crescer 5% ao ano
O país crescia, em média, 2,3% ao ano. Isso mudou pouco. Com Lula, crescerá 2,9% no máximo 2
Fazer a reforma tributária
A reforma de 2003 eliminou cumulatividades e desonerou exportações. Mas a carga tributária subiu de 35,5% para 37,4% do PIB 1
Fazer a reforma da Previdência
O governo aprovou o teto para aposentados do setor público e a contribuição dos inativos. Falta agora mexer no INSS 5
Construir uma nova política industrial
Houve incentivos para exportação e medidas setoriais, como na área de informática. Mas isso não alterou o panorama da indústria 3
Diminuir a dependência externa
O melhor indicador para medir isso são as transações correntes. O déficit foi transformado num superávit recorde de R$ 14,2 bilhões em 2005 10
Reduzir a dívida pública
A dívida era de 56,5% do PIB. Hoje está em torno de 50% 9
Manter o superávit primário "que for necessário"
O governo é criticado por manter o superávit até acima do necessário 10
Manter a inflação sob controle
A inflação está dentro da meta de 4,5% ao ano, abaixo da média do governo anterior 10
Reduzir os juros gradativamente
A taxa atual é a menor dos últimos dez anos, mas continua uma das mais altas do mundo 6
Cumprir os contratos assumidos no governo anterior
Ao contrário do que muitos temiam, Lula não deu calote em ninguém 10
Difundir o microcrédito
Os destaques foram a criação do crédito consignado e o fortalecimento do Pronaf*. Já o Banco do Povo ficou abaixo da expectativa 7
Instituir o imposto sobre grandes fortunas, conforme previsto na Constituição
Essa idéia ficou só no discurso 0
NOTA MÉDIA 6,1
*Programa Nacional de Agricultura Familiar.
Leia mais detalhes na matéria sobre Agricultura.
Militares ou políticos?
Lula priorizou a Missão de Paz no Haiti, mas deixou de lado o investimento na defesa
das fronteiras
Ana Aranha
EMBAIXADA
Em missão diplomática, soldado brasileiro ensina futebol no Haiti
Na campanha de 2002, Lula quase não falou em defesa nacional. Seu programa de governo dedicou apenas meia página ao tema e se limitava a promessas genéricas. Repetia a velha idéia de que as Forças Armadas precisam ser reequipadas e dedicar-se a proteger as fronteiras da Amazônia. No governo, o potencial diplomático das Forças Armadas foi o que mais empolgou Lula. E a Missão de Paz no Haiti, sua grande aposta.
Logo que assumiu a Presidência, Lula nomeou o embaixador José Viegas Filho ministro da Defesa. Sob seu comando, o Brasil assumiu pela primeira vez a liderança em uma missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). De olho em um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a operação mobilizou 6 mil homens, o maior efetivo a sair do país desde a Segunda Guerra Mundial. A Fuzilaria Naval, considerada uma das equipes mais preparadas segundo os estrategistas locais, também foi despachada. "Missões como essa são importantes. Atualizam o treinamento dos militares e agregam respeito à imagem do Brasil no exterior", diz Eliézer Rizzo de Oliveira, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp e especialista em defesa. Não é com o mesmo entusiasmo, porém, que Rizzo fala da ação para a defesa do próprio Brasil. "Não houve grandes avanços nessa área", diz ele.
Existe, segundo estimativas, algo como 1.800 soldados nas patrulhas que protegem os 18.000 quilômetros de fronteiras brasileiras. Os pontos mais vulneráveis estão nos 11.000 quilômetros de fronteiras amazônicas, sujeitos ao tráfico de armas e drogas, ao contrabando e à extração ilegal de madeira. Hoje, somando as patrulhas fronteiriças e todos os soldados da região amazônica, há 25 mil homens. "Ainda é pouco", diz o ministro da Defesa, Francisco Waldir Pires. "Com isso, fazemos o que é possível." Para ele, o ideal seria ter 50 mil homens na Amazônia.
1.800
é o número estimado
de soldados alocados
nos 18.000 km
de fronteirasdo Brasil
Na gestão Lula, as fronteiras amazônicas ficaram ainda mais vulneráveis, com o fortalecimento das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a guerrilha que domina parte do território do país vizinho. Para responder à necessidade, o governo brasileiro somou sete pelotões aos 18 já existentes e aumentou em 14% o efetivo militar na região.
Mas a questão não se restringe ao número de soldados. O trabalho da Defesa só funciona se a fronteira for monitorada pelo Sistema de Vigilância da Amazônia. A instalação da rede de radares do Sivam foi concluída na gestão Lula, mas aparentemente a corrupção prejudica seu funcionamento. "Quando um avião da defesa sobe, o tráfego aéreo irregular some do radar. Há vazamento de informação", afirma Humberto Lourenção, cientista político especialista no sistema.
A maior parte das violações da fronteira ocorre pelo ar. Para combatê-las, Lula prometeu renovar os antigos caças da Força Aérea Brasileira (FAB). Disse que daria preferência a uma compra que transferisse tecnologia ao Brasil. Mas voltou atrás e, afirmando que custaria menos, optou por reformar caças franceses Mirage usados.
4 principais promessas NOTA
As Forças Armadas devem estar aptas para missões de paz no mundo
Com a operação no Haiti, o Brasil assumiu pela primeira vez a liderança de uma missão de paz da ONU 9
Reforçar as áreas de fronteira na Amazônia
O governo aumentou pouco os investimentos. Criou sete pelotões de fronteira e reforçou em 14% a presença militar no local 2
Na compra dos caças para a FAB, defender consórcios que oferecessem transferência de tecnologia s
Perdeu o prazo do programa que previa transferência através de consórcio da Embraer com uma empresa francesa, optando por caças usados e mais baratos 0
Reaparelhar as Forças Armadas
Investiu ao todo R$ 3 bilhões e manteve a média de FHC. As Forças ainda estão longe de ter todo o equipamento de que precisam 2
NOTA MÉDIA 3,3
O motor da economia pifou
O setor passa pela pior crise dos últimos anos. E, mesmo que Lula tivesse cumprido todas as suas promessas, a situação não estaria melhor
Flavio Machado
NEGLIGÊNCIA?
Gado contaminado pela febre aftosa é sacrificado em Mato Grosso do Sul
Até Lula assumir a Presidência da República, a agropecuária era considerada o motor da economia nacional. O setor crescia acima de 5% ao ano, enquanto indústria e serviços não atingiam nem metade desse desempenho. Os preços internacionais estavam ótimos, a produtividade só aumentava e as vendas de tratores batiam recordes sucessivos. A troca de governo ocorreu no auge do agronegócio. Hoje, quatro anos depois, a situação é o oposto. A agricultura e a pecuária passam por uma crise. O setor cresceu apenas 0,8% no ano passado, o pior desempenho desde 1997, e deve registrar retração neste ano. Com exceção da cana-de-açúcar, as cotações internacionais despencaram ao mesmo tempo que o preço das matérias-primas subiu. Essa combinação aumentou o endividamento dos produtores. Doenças, como a ferrugem asiática na soja ou a febre aftosa no boi, trouxeram ainda mais prejuízo. O clima também foi especialmente perverso e provocou a perda de 24 milhões de toneladas de grãos nas últimas duas safras. Sob Lula, o motor da economia pifou.
O que tudo isso tem a ver com as promessas feitas pelo PT em 2002? Pouco, segundo os analistas de mercado ouvidos por ÉPOCA. "O governo não cumpriu nem metade do que o PT havia prometido", afirma o presidente da associação dos produtores de carne suína, Pedro Camargo Neto. "Mas, mesmo que Lula tivesse cumprido tudo, dificilmente a atual crise teria sido evitada." Camargo conhece bem o tema, pois já esteve dos dois lados do balcão. Além de atuar há anos no setor, trabalhou no Ministério da Agricultura no início da gestão Lula.
De acordo com os especialistas, três componentes explicam a má fase do campo: dólar desvalorizado, insumos inflacionados e deficiência na infra-estrutura viária e portuária. O programa de governo Vida Digna no Campo, um caderno de promessas para a agricultura assinado por Lula em 2002, não oferecia solução para nenhum desses três problemas. As principais propostas do PT eram implantar o seguro agrícola estatal, dobrar a safra anual de grãos e criar fundos de investimento no agronegócio. No caso da agricultura familiar, Lula prometia ampliar o crédito ao pequeno produtor. Para a pesca, falava em montar uma secretaria específica, com status de ministério, e lançar linhas de crédito exclusivas.
O seguro agrícola é uma espécie de promessa eterna dos candidatos. Aparece em todas as campanhas. Trata-se de uma apólice estatal para pequenos e médios produtores protegerem seus investimentos contra geadas, secas ou enchentes. "Em muitos países desenvolvidos, isso funciona, pois os pequenos têm dificuldade para fazer o seguro privado", diz o presidente da Sociedade Rural Brasileira, João de Almeida Sampaio Filho. O Brasil já teve uma experiência do tipo na década de 70, quando o governo criou o Proagro. Mas a iniciativa fracassou, pois o governo costumava dar calote quando havia um sinistro. Lula deu calote na promessa. Em vez de cumprir o compromisso documentado em seu programa de governo, criou apenas um seguro de agricultura familiar, para o lavrador que planta para a subsistência. É relevante, mas bem menos que o prometido. Há dois meses, o governo lançou um projeto de seguro agrícola mais amplo.
Outra promessa não cumprida foi dobrar a safra de grãos durante o mandato. No atual governo, ela só caiu. Foram colhidos 123 milhões de toneladas na safra 2002-2003. O setor espera que, na atual, a produção nacional de grãos fique em 110 milhões de toneladas.
No grupo de promessas cumpridas, o destaque é o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), cujo orçamento saltou de R$ 2,4 bilhões, em 2002, para R$ 9 bilhões, em 2005. De acordo com os dados oficiais, esse programa beneficia 2 milhões de famílias, a maioria de baixa renda. A segunda medida relevante do governo Lula foi a criação dos fundos de investimento no agronegócio. São papéis que o governo vende para a iniciativa privada desde 2004, com o objetivo de financiar o setor. Até abril deste ano, esses novos fundos de investimento movimentaram cerca de R$ 650 milhões.
No segmento pesqueiro, o resultado é controverso. Lula cumpriu a promessa de criar a Secretaria Especial da Pesca, atrelada à Presidência da República. Mas a própria existência desse ministério é tida como desnecessária pelos críticos. A criação de linhas especiais de crédito para os pescadores não saiu do discurso. De acordo com o presidente da Confederação Nacional da Pesca, Ivo da Silva, os pequenos só têm como opção de crédito o Pronaf. "O programa é inadequado para a pesca, porque os técnicos não são capacitados para avaliar a produção pesqueira", diz ele.
LAVOURA ATRASADA
Além de Lula não cumprir a promessa de dobrar
a safra de grãos, o setor encolheu 12% sob seu governo
(em milhões de toneladas de grãos)
7 principais promessas NOTA
Criar o seguro agrícola
O governo criou um seguro para a agricultura familiar, mas a promessa era mais abrangente 4
Ampliar os recursos do Pronaf
A verba passou de R$ 2,4 bilhões em 2002 para R$ 9 bilhões em 2005. Virou uma das vitrines do governo Lula 10
Fortalecer a Embrapa
A verba geral do órgão cresceu, mas, segundo os pesquisadores, o montante para pesquisa caiu 2
Incentivar a criação de fundos de investimento no agronegócio
Foram lançados diversos títulos nesse segmento 8
Renegociar as dívidas de produtores
No auge da crise agrícola, em abril, o governo lançou um pacote e começou a renegociar as dívidas 6
Dobrar a safra de grãos
A safra do período 2002-2003 foi de 123 milhões de toneladas. Deverá cair para 110 milhões neste ano 0
Criar a Secretaria da Pesca e crédito especial
para o setor
A secretaria foi criada em 2003, só que o financiamento para pescadores artesanais não saiu 5
NOTA MÉDIA 5
Está tudo parado
O setor não anda. E a falta de investimentos é um dos entraves que impedem
a economia de crescer mais
Flavio Machado
Quando Lula tomou posse, os especialistas apontavam uma necessidade de R$ 28 bilhões em investimentos anuais nas áreas de energia, transportes e telecomunicações para melhorar a infra-estrutura do país. Esse volume de recursos seria necessário para sustentar uma taxa de crescimento da economia de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) e para gerar os 10 milhões de empregos prometidos por Lula. Entre 2003 e 2005, a economia cresceu, em média, 2,5% ao ano, e os investimentos na infra-estrutura deixaram de ser uma questão emergencial para o governo Lula. Sem dinheiro no caixa público e sem recursos da iniciativa privada, a infra-estrutura seguiu ritmo semelhante ao da economia: para a frente, mas em velocidade bem abaixo da desejável.
O projeto das Parcerias Público-Privadas (PPPs) é o símbolo dessa falta de sentido de urgência. As PPPs, contratos em que há uma divisão de custos e exploração das obras entre a iniciativa privada e o setor público, são a principal aposta do governo para tentar aumentar os investimentos em infra-estrutura.
A Operação Tapa-Buracos (à dir.) foi só um paliativo e não resolveu
os problemas das estradas. No setor dos transportes, os portos também não
satisfazem a demanda. Ao lado, congestionamento no Porto de Paranaguá
A lei das PPPs só foi aprovada pelo Congresso no fim de 2004, passados quase dois anos da posse de Lula. Até agora, o governo só deu início a dois processos de parcerias: as reformas de dois trechos na BR-116 e na BR-324, ambas na Bahia. As obras ainda dependem de autorizações burocráticas e não têm prazo para sair do papel.
Outro sintoma de descaso do governo foi o esvaziamento das agências reguladoras. Elas foram concebidas para funcionar como órgãos independentes e como uma garantia de regras estáveis para os investidores privados. O governo cortou o orçamento das agências, deixou-as sem diretores e usou cargos estratégicos para fazer barganha com os partidos políticos. O resultado, segundo as estimativas, foi a perda de quase R$ 40 bilhões em investimentos, adiados ou cancelados. A maioria em obras que farão falta se a economia voltar a crescer mais vigorosamente. A seguir, um balanço do que aconteceu nas três principais áreas de infra-estrutura.
A maior, mais ambiciosa e mais repetida promessa de Lula não foi cumprida. Na campanha eleitoral de 2002, ele prometia acabar com a fome no Brasil em quatro anos. Afirmava nos palanques, no rádio e na TV que todo cidadão brasileiro teria acesso a três refeições por dia: café-da-manhã, almoço e jantar. Para viabilizar esse projeto nada modesto - como o próprio Lula gosta de repetir, a miséria é uma realidade secular no país -, ele prometia resgatar 50 milhões de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza.
Em relação a esse compromisso, há duas formas de medir o desempenho do governo. Ambas comprovam uma enorme defasagem entre o que foi prometido e o que foi realizado. A primeira é o total de pessoas resgatadas da pobreza desde a posse. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio Janeiro estimava, em 2002, haver 50 milhões de miseráveis no Brasil. Segundo a FGV, a pobreza extrema subiu 3,9% em 2003 e caiu 8% em 2004, dado mais recente. Há, portanto, 48 milhões de miseráveis no Brasil, ou 25,1% da população. Esse patamar, atingido no governo Lula, é o menor desde 1992, quando começou a série histórica. Seria uma excelente notícia para o presidente se sua promessa de 2002 não tivesse sido tão exagerada.
É verdade que nem todos os 48 milhões de pessoas abaixo da linha da miséria passam fome. As estatísticas tomam como base apenas a renda das famílias. No Brasil, muitos conseguem driblar a carência de alimentos com agricultura de subsistência, criações de fundo de quintal, doações ou auxílio de amigos e parentes. Para dirimir a dúvida, o IBGE fez em 2004 uma pesquisa inédita sobre segurança alimentar e investigou quantos passavam fome mesmo.
O resultado é a segunda prova de que Lula não cumpriu sua promessa. De acordo com a pesquisa, 14 milhões de brasileiros sofriam com o que o IBGE classificou de "insegurança alimentar grave". Em outras palavras, passavam fome. Isso em 2004, o ano mais próspero do governo, quando a economia cresceu 4,9% e a geração de empregos deu um salto.
Não há dados mais recentes ou série histórica do levantamento de segurança alimentar. A próxima leva de pesquisas deverá sair em outubro. Com isso, fica difícil avaliar com precisão o que ocorreu com a miséria e a fome na segunda metade do mandato petista. Os estudiosos, porém, não acreditam que a partir de 2005 tenha ocorrido uma redução da pobreza muito maior que a observada em 2004. Mesmo considerando o recente fortalecimento dos programas sociais do governo.
Lula não garantiu o fim da fome, pois a promessa era um despropósito. Mas seu governo não pode ser classificado como um desastre na área social. Pelo contrário. Esse segmento é hoje umas das maiores vitrines da administração petista e explica boa parte da popularidade de Lula. Um exemplo de atuação madura - que, pelas circunstâncias, também é uma promessa descumprida - foi a substituição do programa Fome Zero pela estratégia de dar prioridade ao Bolsa-Família, tido como o maior programa de transferência de renda do mundo.
O governo reuniu num cadastro único quatro programas: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão Alimentação e Vale-Gás. Aumentou o valor dos benefícios e ampliou o alcance para 11,1 milhões de famílias, o triplo do que havia em 2003. Os recursos reservados para as transferências passaram de R$ 3,4 bilhões, em 2003, para R$ 8,3 bilhões neste ano.
A idéia original do Fome Zero, divulgada na campanha de 2002, era completamente diferente. Previa a distribuição de cupons-alimentação, bancos de alimentos, frentes de trabalho e cestas básicas emergenciais. Medidas assim, com caráter exclusivamente assistencialista, sempre foram vistas com desconfiança pelos principais estudiosos da pobreza. "O governo não cumpriu a promessa de implantar aquele Fome Zero, mas teve sensibilidade de aceitar as críticas e mudar de rumo ainda em 2003, no primeiro ano do mandato", afirma o economista Marcelo Neri, coordenador das pesquisas sobre pobreza da FGV. "Em termos de qualidade, o Fome Zero era um passo atrás do que havia antes. O Bolsa-Família representou dois passos para a frente."
O ministro de Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, tem um raciocínio parecido. Ele afirma que o Fome Zero, hoje, é uma marca usada pelo governo para designar um conjunto de ações sociais da União. "O governo adapta os programas sociais às necessidades", diz ele. "O Luz para Todos (programa de eletrificação rural) é um programa de inclusão que envolve mais de um ministério e está sob o chapéu do Fome Zero."
Apesar de ter uma visibilidade menor que o Bolsa-Família, o resultado mais importante do governo Lula foi a melhoria na distribuição de renda. Essa é a opinião de boa parte dos economistas especializados no tema. O alto grau de desigualdade presente na sociedade brasileira sempre foi classificado por eles como a principal chaga da História recente do país.
De acordo com um estudo coordenado no começo dos anos 90 pelo economista Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os índices de concentração de renda no Brasil atravessavam décadas inalterados. A partir de 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, a situação começou a mudar. No governo Lula, com o fortalecimento dos programas de transferência de renda, esse movimento foi acelerado.
Historicamente, os 50% mais pobres ficavam com algo entre 11,5% e 12,5% da renda nacional. Hoje, estão com 14,1%. É a melhor marca desde os anos 60, quando os economistas começaram a estudar em profundidade a desigualdade social. "A redução da desigualdade está para Lula assim como a estabilização da economia esteve para FHC", diz Neri. É essa a principal explicação para a popularidade do presidente entre os mais pobres e para seu favoritismo na disputa eleitoral.
ENERGIA
R$ 40 bi
deixaram de ser
investidos por causa
do esvaziamento
das agências
reguladoras
Na campanha de 2002, Lula, aproveitando-se do desastre do governo FHC com o apagão do ano anterior, prometeu afastar o risco de racionamento de energia elétrica. Mas, segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, o risco de novo apagão ainda está no horizonte. "Não houve investimentos relevantes em geração de energia nova", diz Pires.
O modelo do setor elétrico foi completamente mudado, com maior concentração de poder no Ministério de Minas e Energia. Como parte do novo modelo, Lula cumpriu uma promessa histórica do PT: suspendeu as privatizações no setor. Mas o novo modelo teve outro resultado. De acordo com estimativas do setor, cerca de R$ 5 bilhões deixaram de ser investidos desde 2004.
O governo tentou faturar com a auto-suficiência em petróleo e com o sucesso dos carros bicombustíveis. Mas o mérito da gestão Lula nessas conquistas é discutível. A auto-suficiência é obra de vários governos. No caso dos carros flex, o papel do governo foi maior. Embora os motores flex sejam uma conquista da indústria automotiva, o governo tem garantido o abastecimento em acordos com os produtores de álcool. E Lula virou o embaixador do álcool no mundo.
TRANSPORTES
Uma das promessas do PT era reduzir os impostos cobrados no embarque e desembarque de produtos nos portos. O objetivo era facilitar o acesso de pequenos e médios produtores à exportação. Aconteceu o contrário. As tarifas foram reajustadas em até 38% em alguns portos. Ficou mais caro exportar no governo Lula.
Em outro importante meio para o transporte de cargas, as ferrovias, a promessa era ampliar a malha. De acordo com o Ministério dos Transportes, a participação das ferrovias no transporte de carga cresceu de 23% para 25%. Mas esse crescimento só ocorreu por causa de R$ 5 bilhões de investimentos do setor privado.
"O Brasil também continua a conviver com algo entre 60% e 70% da malha rodoviária federal em estado ruim", diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Base (Abdib). Ele considera insuficientes os investimentos públicos no setor de transportes.
No início deste ano, diante do estado precário das rodovias federais, o governo lançou a Operação Tapa-Buracos, uma solução emergencial para tentar recuperar trechos intransitáveis. Foi um fracasso. A maioria das estradas continua com buracos e muitos contratos com empreiteiras passaram a ser investigados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por causa de supostas irregularidades.
TELECOMUNICAÇÕES
A principal promessa do programa do PT para o setor era a discussão de "uma política para a TV digital que levasse em conta o não-pagamento de royalties e a produção local dos componentes". Em junho, depois de anos de espera, o governo finalmente escolheu o padrão japonês de TV digital. Segundo o Ministério das Comunicações, com isso o Brasil não pagará royalties. A decisão é louvável por inaugurar uma nova era na TV brasileira. Mas não cumpriu a promessa de tornar obrigatória a produção nacional dos componentes.
Outras duas promessas do então candidato Lula para o setor eram ampliar o acesso aos serviços de telefonia e rever o cálculo de reajuste das tarifas. De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a meta de universalização foi atingida em dezembro de 2005. Todas as localidades com mais de cem habitantes passaram a ter pelo menos um telefone público.
A revisão do cálculo das tarifas de telefonia foi feita, mas beneficiou o consumidor menos do que deveria. Até o ano passado, o reajuste da tarifa era vinculado ao IGP-DI, um índice atrelado ao câmbio. De lá para cá, o reajuste começou a ser calculado com base nele e em um novo índice: o IST, Índice Setorial de Telecomunicações. Os reajustes diminuíram. Só que, com a queda da cotação do dólar, a redução para o consumidor teria sido maior se não tivesse havido nenhuma mudança no cálculo.
9 principais promessas NOTA
Evitar novo apagão
Não houve apagão, mas o sistema de energia elétrica está sobrecarregado. O risco não está afastado 5
Cancelar a compra no exterior das plataformas
P-51 e P-52
A concorrência foi cancelada. Mas o índice de 100% de nacionalização das peças não foi assegurado 5
Encerrar privatizações do setor elétrico
Nada foi privatizado no setor 9
Desonerar as tarifas portuárias
Além de não cortar impostos, as tarifas de alguns portos sofreram aumentos de até 38% 0
Investir em ferrovias
Houve investimentos públicos, mas as ferrovias federais continuam em más condições 3
Financiar a indústria naval
O governo liberou mais de R$ 1,8 bilhão em financiamentos para a construção naval 8
Ampliar o acesso à telefonia
A meta da Anatel de instalar um telefone público nas localidades com mais de cem pessoas foi alcançada em 2005 8
Revisar a forma de reajuste da telefonia
Houve mudança no cálculo, mas ela favoreceu mais as operadoras que os consumidores 2
Não pagar royalties e garantir a produção nacional de componentes para a TV digital
O acordo de adoção do padrão japonês isenta o pagamento de royalties. Mas os componentes podem ser importados 5
NOTA MÉDIA 5
Fome Zero: 0
Bolsa-Família: 10
A mais ambiciosa promessa de Lula não foi cumprida. Mas o governo mudou tudo
Ricardo Mendonça
EM QUEM ELES VÃO VOTAR?
Maria de Lurdes, Severino Silva e sua filha, beneficiados pelo Bolsa-Família no sertão da Paraíba. O programa hoje atende 11,1 milhões de famílias
A maior, mais ambiciosa e mais repetida promessa de Lula não foi cumprida. Na campanha eleitoral de 2002, ele prometia acabar com a fome no Brasil em quatro anos. Afirmava nos palanques, no rádio e na TV que todo cidadão brasileiro teria acesso a três refeições por dia: café-da-manhã, almoço e jantar. Para viabilizar esse projeto nada modesto - como o próprio Lula gosta de repetir, a miséria é uma realidade secular no país -, ele prometia resgatar 50 milhões de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza.
Em relação a esse compromisso, há duas formas de medir o desempenho do governo. Ambas comprovam uma enorme defasagem entre o que foi prometido e o que foi realizado. A primeira é o total de pessoas resgatadas da pobreza desde a posse. A Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio Janeiro estimava, em 2002, haver 50 milhões de miseráveis no Brasil. Segundo a FGV, a pobreza extrema subiu 3,9% em 2003 e caiu 8% em 2004, dado mais recente. Há, portanto, 48 milhões de miseráveis no Brasil, ou 25,1% da população. Esse patamar, atingido no governo Lula, é o menor desde 1992, quando começou a série histórica. Seria uma excelente notícia para o presidente se sua promessa de 2002 não tivesse sido tão exagerada.
É verdade que nem todos os 48 milhões de pessoas abaixo da linha da miséria passam fome. As estatísticas tomam como base apenas a renda das famílias. No Brasil, muitos conseguem driblar a carência de alimentos com agricultura de subsistência, criações de fundo de quintal, doações ou auxílio de amigos e parentes. Para dirimir a dúvida, o IBGE fez em 2004 uma pesquisa inédita sobre segurança alimentar e investigou quantos passavam fome mesmo.
O resultado é a segunda prova de que Lula não cumpriu sua promessa. De acordo com a pesquisa, 14 milhões de brasileiros sofriam com o que o IBGE classificou de "insegurança alimentar grave". Em outras palavras, passavam fome. Isso em 2004, o ano mais próspero do governo, quando a economia cresceu 4,9% e a geração de empregos deu um salto.
Não há dados mais recentes ou série histórica do levantamento de segurança alimentar. A próxima leva de pesquisas deverá sair em outubro. Com isso, fica difícil avaliar com precisão o que ocorreu com a miséria e a fome na segunda metade do mandato petista. Os estudiosos, porém, não acreditam que a partir de 2005 tenha ocorrido uma redução da pobreza muito maior que a observada em 2004. Mesmo considerando o recente fortalecimento dos programas sociais do governo.
Lula não garantiu o fim da fome, pois a promessa era um despropósito. Mas seu governo não pode ser classificado como um desastre na área social. Pelo contrário. Esse segmento é hoje umas das maiores vitrines da administração petista e explica boa parte da popularidade de Lula. Um exemplo de atuação madura - que, pelas circunstâncias, também é uma promessa descumprida - foi a substituição do programa Fome Zero pela estratégia de dar prioridade ao Bolsa-Família, tido como o maior programa de transferência de renda do mundo.
O governo reuniu num cadastro único quatro programas: Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Cartão Alimentação e Vale-Gás. Aumentou o valor dos benefícios e ampliou o alcance para 11,1 milhões de famílias, o triplo do que havia em 2003. Os recursos reservados para as transferências passaram de R$ 3,4 bilhões, em 2003, para R$ 8,3 bilhões neste ano.
A idéia original do Fome Zero, divulgada na campanha de 2002, era completamente diferente. Previa a distribuição de cupons-alimentação, bancos de alimentos, frentes de trabalho e cestas básicas emergenciais. Medidas assim, com caráter exclusivamente assistencialista, sempre foram vistas com desconfiança pelos principais estudiosos da pobreza. "O governo não cumpriu a promessa de implantar aquele Fome Zero, mas teve sensibilidade de aceitar as críticas e mudar de rumo ainda em 2003, no primeiro ano do mandato", afirma o economista Marcelo Neri, coordenador das pesquisas sobre pobreza da FGV. "Em termos de qualidade, o Fome Zero era um passo atrás do que havia antes. O Bolsa-Família representou dois passos para a frente."
O ministro de Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, tem um raciocínio parecido. Ele afirma que o Fome Zero, hoje, é uma marca usada pelo governo para designar um conjunto de ações sociais da União. "O governo adapta os programas sociais às necessidades", diz ele. "O Luz para Todos (programa de eletrificação rural) é um programa de inclusão que envolve mais de um ministério e está sob o chapéu do Fome Zero."
Apesar de ter uma visibilidade menor que o Bolsa-Família, o resultado mais importante do governo Lula foi a melhoria na distribuição de renda. Essa é a opinião de boa parte dos economistas especializados no tema. O alto grau de desigualdade presente na sociedade brasileira sempre foi classificado por eles como a principal chaga da História recente do país.
De acordo com um estudo coordenado no começo dos anos 90 pelo economista Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os índices de concentração de renda no Brasil atravessavam décadas inalterados. A partir de 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, a situação começou a mudar. No governo Lula, com o fortalecimento dos programas de transferência de renda, esse movimento foi acelerado.
Historicamente, os 50% mais pobres ficavam com algo entre 11,5% e 12,5% da renda nacional. Hoje, estão com 14,1%. É a melhor marca desde os anos 60, quando os economistas começaram a estudar em profundidade a desigualdade social. "A redução da desigualdade está para Lula assim como a estabilização da economia esteve para FHC", diz Neri. É essa a principal explicação para a popularidade do presidente entre os mais pobres e para seu favoritismo na disputa eleitoral.
6 principais promessas NOTA Retirar 50 milhões de pessoas da pobreza para acabar com a fome no país Segundo a FGV, 48 milhões de pessoas continuam abaixo da linha da miséria. Ainda que muitos recebam auxílio para alimentação, o IBGE descobriu que 14 milhões passam fome 1 Implantar o programa Fome Zero O texto original do Fome Zero falava em cupons, banco de alimentos, cestas básicas emergenciais e frentes de trabalho. Esse projeto nunca saiu do papel 0 Instituir um programa de renda mínima associado à educação Trata-se do Bolsa-Família, principal vitrine social de Lula. O governo juntou programas que estavam fragmentados e ampliou o alcance para 11,1 milhões de famílias 10 Melhorar a distribuição de renda no país Essa é a melhor notícia, segundo os especialistas. O atual patamar de desigualdade, embora alto, é o melhor da série histórica 9 Promover uma ação coordenada dos programas e das políticas sociais De maneira discreta, o governo implantou quase integralmente o Sistema Único de Assistência Social. A rede, que envolve ONGs, Estados e municípios, organiza as ações de prevenção, recolhimento, orientação e proteção. É essa engenharia que permite o funcionamento do Bolsa-Família 9 Criar um programa amplo de eletrificação rural O programa Luz para Todos, inaugurado em 2004, não universalizou o acesso de toda a população rural à luz, mas já beneficiou 3 milhões de pessoas 9 NOTA MÉDIA 6,3
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