quinta-feira, novembro 16, 2006

"Essa mídia, como está aí, é uma ameaça à democracia"

"Essa mídia, como está aí, é uma ameaça à democracia"


Paulo Henrique Amorim: Mídia brasileira é ameaça à democracia

Por André Cintra e Priscila Lobregatte
O jornalista Paulo Henrique Amorim está empenhando na batalha pela democratização da mídia. Boa parte de seus textos, publicados no site Conversa Afiada, condena o monopólio e a feição golpista do jornalismo brasileiro. ''Essa mídia, como está aí, é uma ameaça à democracia'', declarou ao Vermelho, na terceira entrevista da série ''Mídia x Mídia''.

Paulo Henrique: pela democratização
Aos 64 anos, formado em Sociologia, Paulo Henrique acredita que veículos tradicionais e conservadores não têm saída e tendem a piorar. Mas a Veja, aponta ele, avançou ainda mais no radicalismo: ''Hoje, ela é mais do que conservadora. É uma revista de extrema direita''. Em sua opinião, o que a mídia fez no segundo turno configura um golpe - e a bandeira da liberdade de imprensa é usada como falácia para justificar desmandos dos jornalistas.
Paulo Henrique também ataca a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão, que ficou restrita à classe média. A medida, segundo ele, deixou as redações sem ''proletários'', sem profissionais com ''sentimento de solidariedade''. Já os partidos políticos, a seu ver, ainda não sabem usar a internet, com exceção do PCdoB. É o que ele escreveu em artigo para o Conversa Afiada - e o que confirmou na entrevista abaixo.
Por que você diz que o PCdoB é o partido que usa a internet mais adequadamente?
Eu disse isso no artigo no iG (portal que hospeda o Coversa Afiada) e reflete exatamente a minha opinião. Acho que é o melhor site de partido do Brasil em termos de capacidade de atualização, dinamismo e conteúdo. A coisa que mais irrita na internet é o site ficar velho. E o Vermelho é rápido, tem qualidade nas reportagens, tem artigos de opinião. Visito o Vermelho com muita freqüência.
A internet é um campo em que os partidos precisam avançar mais?
Acho que sim. É um terreno que os políticos, sobretudo aqueles ligados ao trabalhismo, precisam explorar. Esta eleição nos Estados Unidos, agora, mostrou a força da internet. Um dos motivos que explicam essa vitória retumbante dos democratas foi o trabalho que vem sendo feito, há uns quatro ou cinco anos, de investimentos em comunicação através da internet.
Acho que o presidente Lula está, de certa maneira, sitiado pela imprensa escrita e por uma boa parte da imprensa de televisão. Não é por acaso que a empresa líder no jornalismo televisivo, que é a TV Globo, contribuiu para aquilo que considero o golpe da mídia no primeiro turno.
O governo Lula deveria dar o salto tecnológico e, entre outras providências, investir maciçamente na comunicação pela internet. A minha questão é a da democratização da informação numa sociedade complexa, diferenciada, desigual, como a brasileira, que tem a mídia que tem. Talvez seja a batalha mais interessante que a minha geração de jornalistas possa travar neste momento: contribuir para democratizar a mídia.
Como democratizar os meios de comunicação de massa se Lula tem praticamente todo mundo do setor contra ele?
Menos o povo, né?
Sim, menos o povo...
Segundo o jornal New York Times, a vitória do presidente Lula foi ''esmagadora'' - adjetivo que nenhum jornal brasileiro usou. Foi uma vitória acachapante, mas também uma vitória ideológica. No segundo turno, Lula jogou a campanha para a esquerda, para os traços principais do trabalhismo brasileiro, a começar pela questão da privatização. Pessoalmente, tenho uma série de restrições a isso. Não vejo a privatização como um bicho de sete cabeças.
Independentemente da minha opinião, o presidente Lula jogou a discussão para o eixo central do pensamento trabalhista no Brasil - que é a questão da nacionalização, da estatização, da integração do Estado com a economia. Ele foi lá para trás, foi buscar Getúlio Vargas, Jango, Petrobras, Eletrobras. Ele não só ganhou com a maioria esmagadora do povo brasileiro. Usou também uma linguagem mais trabalhista e mais ideológica do que foi no primeiro turno e do que foi nas eleições de 2002.
O que está acontecendo no Brasil é um fenômeno típico da América Latina: correntes políticas conservadoras controlam os meios de comunicação tradicionais - a chamada mídia tradicional. E não tem saída. Porque essa mídia tem de ser fiel ao público dela, não pode correr o risco de tentar conquistar um outro público e perder o atual, que é um público conservador, tradicional.
Além do mais, ela precisa ter uma forte coloração partidária e política para manter a fidelidade de seu consumidor. Ou seja, essa mídia tradicional que está aí não vai mudar. Ela deve até piorar - deve aprofundar o compromisso ideológico com as correntes conservadoras do país.
Não é por acaso que o ídolo dessa corrente conservadora que se expressa na mídia brasileira, sobretudo na mídia impressa, é o Fernando Henrique Cardoso - que, por uma armadilha do destino, uma peraltice da história, se tornou o mais legítimo sucessor do Carlos Lacerda. Nas eleições, ele dizia que precisávamos de um Lacerda. Não precisávamos de um: ele era o Carlos Lacerda.
A mídia não tem saída?
Não. Como falei, não acho que a mídia vá fazer um mea-culpa ou vá se modificar. Essa mídia que temos vai daí para pior, porque ela não tem saída. Não podemos nos esquecer de que a indústria da imprensa escrita, de produção de jornal - a mídia toda está do lado dos setores perdedores. Eles perderam a batalha do crescimento econômico. A Brasil Telecom fatura em um trimestre o que a TV Globo fatura em um ano inteiro. O setor de telecomunicações é que é vencedor.
Essa mídia, como está aí, é uma ameaça à democracia. O professor Wanderley Guilherme dos Santos tem uma frase definitiva: ''Esta mídia tem o poder de provocar crises''. É essa a força da mídia conservadora brasileira, como é a da mídia do México, do Chile, da Argentina e da Venezuela. Diz o professor: ''Em nenhuma democracia madura do mundo, a mídia tem o poder que tem no Brasil''. É uma anomalia.
Em uma edição recente da revista Imprensa, o Caio Túlio Costa declarou que a Veja sempre foi conservadora. Você entrou na Veja lá no começo...
É, eu sou da equipe que fundou a Veja, junto com o Mino Carta. Acho que o Caio levou o conceito de conservador muito para trás no tempo. Houve um período em que a Veja, ainda na gestão do Mino, desempenhou um papel muito importante na batalha da liberdade de imprensa durante os anos militares. Eu não diria que ela foi sempre uma revista conservadora. Hoje, ela é mais do que conservadora. É uma revista de extrema direita.
O que é liberdade de imprensa? Por que toda crítica à mídia é vista pela própria mídia como um ataque à liberdade de imprensa?
Isso é uma falácia. Liberdade de imprensa é todo mundo - todos os grupos, facções e minorias - ter a possibilidade de expor suas idéias. E na mídia conservadora brasileira, especialmente na mídia impressa, isso não é acontece. A cobertura dessa eleição foi distorcida, parcial, engajada e partidária.
O objetivo, durante todo o governo Lula, foi abreviar o mandato do presidente. A mídia jogou pelo impeachment desde o primeiro dia de governo. Esta é a minha opinião e é a opinião da professora Marilena Chauí, que eu respeito muito.
Tem uma frase que o Mino costuma dizer...
...que jornalista chama patrão de colega. Isso é uma obra-prima! Aliás, a prefeita Marta Suplicy nos propiciou aqui, em São Paulo, a glória de termos uma avenida chamada ''Jornalista Roberto Marinho''. É a mesma coisa que dizer que o Walter Moreira Salles era bancário. O bancário Olavo Setúbal, o trabalhador em mineradora Antonio Ermírio de Morais. Ora, vamos e venhamos! Faça uma avenida com o nome de Vladimir Herzog. Ou dê o nome de Getúlio Vargas - porque São Paulo é a única metrópole brasileira que não tem uma avenida importante chamada Getúlio Vargas.
A prefeita Marta Suplicy, de um partido trabalhista, inaugurou uma avenida com o nome de um jornalista, que não era jornalista e que foi um dos maiores inimigos da causa trabalhista. Quando comecei a trabalhar no Jornal do Brasil, no Rio, havia um jornalista muito competente chamado José Silveira. Dizia ele que, quando o Aarão Steinbruch aprovou no Senado a lei do 13º salário, o Roberto Marinho fez um editorial dizendo que o trabalhador brasileiro saberia rejeitar essa manifestação populista. E foi esse camarada que a Marta Suplicy resolveu homenagear como ''jornalista''.
Muitas vezes, aqueles que estão nas redações também têm dificuldade de enxergar as coisas por um outro viés...
Mas aí está uma entrevista que fiz aqui, no Conversa Afiada, com esse grande jornalista, esse grande brasileiro, chamado Mauro Santayana. Ele diz que os jornalistas perderam a compaixão, o sentimento de solidariedade, provavelmente por causa dessa nefanda lei - nefanda! - que obriga jornalista a ser formado em jornalismo.
Agora só existe jornalista de classe média - não tem mais um proletário nas redações. Quando comecei a trabalhar em jornal, trabalhei com muitos proletários e filhos de proletário. E isso não tem mais - é tudo mauricinho. E eles próprios são mais conservadores que seus patrões.
E acatam o que vem da chefia?
Não é que acatam apenas. Eles transcendem o conservadorismo do patrão.
Ou seja, essa história de que os jornalistas compraram a versão do delegado porque teriam sido pressionados por suas chefias...
Duvido. Fizeram, alguns deles, com muito entusiasmo.

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