Peroba e ILEGALIDADE
A revolta dos brasileiros diante dos desmandos cometidos por aqueles que exercem o poder parece funcionar por surtos e geralmente dura pouco mais de 24 horas. Depois de algum tempo, todo mundo parece se acostumar com qualquer anomalia. Os representantes do povo sabem disso e não é à toa que os políticos brasileiros não demonstram o menor medo da opinião pública.
Sabem que esta late, mas quase nunca morde. No imbróglio do reajuste de quase 100%
autoconcedido por deputados e senadores, o fato concreto é que, para o desgosto dos otimistas que pensam que a farra não vingou por conta da reação da sociedade, quem barrou a mamata foi o Poder Judiciário, usando um argumento incontestável: o reajuste era ilegal.
Infelizmente, o que tivemos, outra vez, foi um exemplo de que barulho e estratégias de constrangimento por parte da opinião pública não funcionam para dar aos homens públicos deste país algo que a maioria deles parece não ter: alguma vergonha de representar tão mal e porcamente quem os elege. É verdade que, quando a gritaria da opinião pública começou a ecoar com mais ênfase nos meios de comunicação – o modo do brasileiro protestar é essencialmente midiático, no que isso tem de pior – e a Justiça se manifestou sobre o assunto, cada vez mais deputados entravam em cena dizendo-se também contrários ao reajuste.
Não custa lembrar, no entanto, que quem bateu o martelo sobre a auto-premiação foram justamente os líderes dos partidos. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan Calheiros, já no auge da repercussão negativa, vieram a público afirmar taxativamente que a decisão seria mantida a qualquer custo, num sinal claro de que não adiantaria a população bradar, o legislativo não iria se intimidar. O imbróglio, após a intervenção judicial, acabou não tendo um final feliz para os promotores da multiplicação do salário próprio e a opinião pública acabou com a sensação de que o estrago na farra parlamentar foi ela que fez.
*ÓLEO DE PEROBA* – O episódio, como ocorre hoje com toda crise política, tornou-se um escândalo midiático, constrangeu deputados e senadores, mas, simultaneamente, houve quem saísse dele rindo à toa com os lucros simbólicos que obteve, por angariar capital político positivo para a imagem perante a mesma opinião pública aparentemente indócil.
Heloísa Helena, por exemplo, que já andava na fase chorosa de despedida do Senado – de onde sai para, suprema ironia, dar lugar ao inimigo político Fernando Collor de Mello – não poderia ter recebido de presente uma oportunidade melhor para sair do mandato mantendo os gritos esbaforidos sobre o quanto o Legislativo é ocupado por uma legião de consumidores contumazes de óleo de peroba. Fernando Gabeira, que nos últimos tempos vem se transformado a passos largos em quase uma unanimidade no posto de porta-voz da lucidez na Câmara dos Deputados, reagiu com sua peculiar acidez irônica e ganhou não só preciosos pontos na aprovação do eleitorado como também ocupou minutos e espaços igualmente valiosos no horário nobre do telejornalismo nacional e nas principais páginas de política.
*INTELIGENTE* – A estratégia mais inteligente adotada para transformar um escândalo em pontos positivos junto ao eleitorado foi a adotada pela bancada dos parlamentares-pastores da Igreja Universal do Reino de Deus. Voluntariamente e com ampla divulgação e cobertura da Rede Record de Televisão, a bancada da IURD anunciou aos quatro ventos que seus parlamentares, em bloco, por unanimidade, decidiram que, durante todo o resto deste mandato e ao longo do próximo (no caso dos novos ou recém-reeleitos), iriam doar todo o valor referente ao reajuste de 91% à Fazenda Nova Canaã, a principal obra social da Universal, localizada no município baiano de
Irecê e voltada para o atendimento à infância carente.
Já os líderes das oposições ao governo, ou seja, o PFL e o PSDB, estão mais sujos na fita midiática do que vilão de novela. Ganha um doce que tiver lido, visto ou ouvido uma declaração de algum figurão desses partidos contra o reajuste abusivo. Um dos ícones do neo-PFL, Rodrigo Maia (RJ), teve até o topete de dizer que o Congresso recuou porque a sociedade reagiu. Ora, para quem sabe ler e ouvir, o recado é equivalente à tese popular de jogar barro na parede para ver se cola. Com a sociedade brasileira, colaria sim. O azar estava no fato de não atentaram para a ilegalidade do velho decreto legislativo datado e expirado tornando a autoconcessão de reajuste sem votação em plenário uma nulidade legal.
Enquanto isso, há dias, o trabalhador comum acompanha no noticiário a discussão em torno do reajuste do salário mínimo, cujo reajuste deverá elevá-lo, no máximo, em R$ 30. Mas, quem se importa? Estamos no clima festivo do final do ano, já é verão e logo logo será Carnaval.
*Malu Fontes *é jornalista, doutora em Comunicação e Cultura e professora da Facom-UFBA.
Texto publicado em 24 de dezembro de 2006.
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