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Bush Adota Nova Política Espacial Baseada no Velho Unilateralismo
18/10/2006
O direito de legítima defesa não atribui a nenhum país o poder legal de criar um sistema de segurança espacial calcado em seu próprio julgamento e seus próprios interesses, por mais justos que eles possam eventualmente ser
O presidente George W. Bush consagra no papel sua postura agressiva e unilateral na área espacial, que já se expressa na prática há vários anos.
Bush assinou, em 31 de agosto último, o texto das novas diretrizes de política espacial, que veio substituir o documento de 14 de setembro de 1996, firmado pelo então presidente Bill Clinton.
Dez anos se passaram. Bush foi eleito e reeleito. A política baseada antes de mais nada na superioridade militar ganhou preponderância, a indústria bélica voltou a ser altamente beneficiada e a visão guerreira do mundo se aprofundou em grande escala, sobretudo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Toda esta mentalidade está hoje sendo questionada, pela opinião pública dentro e fora dos EUA, pelo Partido Democrata e até mesmo por setores do próprio partido de Bush, o Republicano.
Mesmo assim, Bush insiste na mesma tecla da força, que o mundo rejeita com vigor cada vez maior. Essa insistência fica patente nas novas diretrizes de política espacial, destinadas a orientar todas as atividades espaciais dos EUA.
O texto, divulgado na sexta-feira passada, 6 de outubro, recusa liminarmente qualquer novo acordo capaz de limitar os testes ou uso de equipamento militar no espaço.
Aí se configura claramente o plano de instalar armas em órbitas da Terra, o que não é propriamente uma novidade, pois o terreno para isso tem sido preparado desde que Bush iniciou o seu primeiro mandato.
Logo no começo, ele empenhou-se em modificar o Tratado de Defesa Anti-Missil, assinado com a URSS em 1972, que impedia a instalação de armas no espaço. Como não pôde mudá-lo, em face da resistência da Rússia, abandonou-o.
As diretrizes de 1996 fixavam que as atividades espaciais dos EUA deveriam ser “consistentes com as obrigações assumidas em tratados”. Tal dispositivo já não figura nas diretrizes de 2006.
Em 2004, a Força Aérea norte-americana propôs que os EUA adotem o objetivo estratégico de estabelecer e manter sua “superioridade espacial”.
É verdade que esse conceito não foi incorporado às novas diretrizes. Ele tem sido constante e duramente criticado nos mais diversas áreas da comunidade espacial internacional. Não ficaria nada bem incluí-lo no texto de agora.
O conceito não entra, mas a idéia que ele defende está lá: proclama-se que os EUA tem o direito de “proteger sua capacidade espacial [equipamentos], responder às interferências e, se necessário, negar aos adversário o uso de capacidade espacial hostil aos interesses nacionais dos EUA”
Essa postura do Governo Bush levanta pelo menos dois problemas graves:
1) China e Rússia, há vários anos juntas na luta diplomática para impedir a colocação de armas no espaço, têm pesquisado a construção de armas anti-satélites para responder à política de Bush. Pois eles podem agora decidir levar adiante os seus planos com ainda mais energia, para não ficar atrás dos EUA nesta questão estratégica. Chineses e russos desejam, no mínimo, ter a mesma chance de atacar “satélites hostis”. Isso tem um nome: corrida armamentista no espaço, justamente o que sempre se tentou evitar ao longo de toda a Guerra Fria.
2) O Governo Bush demonstra estar determinado a arrogar-se o direito de decidir, segundo seus próprios critérios, quem pode e quem não pode ter acesso ao espaço, quando o artigo 1º do Tratado do Espaço de 1967, o código maior das atividades espaciais, reza com absoluta clareza que “o espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, poderá ser explorado e utilizado livremente por todos os Estados sem qualquer discriminação, em condições de igualdade e em conformidade com o Direito Internacional”.
Cabe assinalar que quando o Tratado do Espaço exige que o uso do espaço seja feito “em conformidade com o Direito International”, ele se refere à aplicação da Carta das Nações Unidas, que estabelece o regime de segurança coletiva.
Ou seja, reconhece o direito de legítima defesa (artigo 51), mas não reconhece o direito de fazer guerra preventiva e de responder a qualquer agressão de forma ilimitada, ignorando o papel central das Nações Unidas na questão da segurança internacional.
As novas diretrizes de política espacial do Governo Bush estão dirigidas a atribuir aos EUA a prerrogativa de substituir no espaço, como já o fizeram na Terra no caso da guerra do Iraque, o regime de segurança coletiva.
Por esse regime, a comunidade internacional, representada pelas Nações Unidas, é o único responsável pela manutenção da paz e da segurança no mundo ou em qualquer lugar onde os terráqueos chegarem com seus artefatos.
O direito de legítima defesa não atribui a nenhum país o poder legal de criar um sistema de segurança espacial calcado em seu próprio julgamento e seus próprios interesses, por mais justos que eles possam eventualmente ser.
A nova política também aponta numa direção nebulosa no delicado tema do uso da energia nuclear no espaço.
A idéia geral hoje consensual no mundo é de que a energia nuclear deve ser evitada ao máximo em órbitas próximas da Terra e reservada para missões distantes, como as viagens à Lua e a Marte, nas quais não exista a possibilidade de outra fonte de energia.
Eis que agora as novas diretrizes de Bush permitem o uso de fontes de energia nuclear “if thay safely enable or significantly enhance space exploration or operational capabilities”, isto é, se elas permitam ou reforcem significativamente de forma segura a exploração espacial ou programas operacionais.
Como bem frisou Jeff Hecht, em artigo na revista “NewScientist”, de 10 de outubro último, “a questão é saber se os sistemas [nucleares] integram os planos do presidente George W. Bush para missões tripuladas à Lua e a Marte, ou constituem a fonte potencial de energia para algum novo tipo de satélite militar”.
Com Bush, militarmente falando – sabemos todos –, tudo é possível.
(Fonte: Jornal da Ciência)
Artigo de José Monserrat Filho, jornalista e jurista, é editor do “Jornal da Ciência”, vice-presidente da Associação Nacional de Direito Aeronáutico e Espacial e membro da diretoria do Instituto Internacional de Direito Espacial.
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