terça-feira, outubro 10, 2006

o poder para o Opus Dei

“No Brasil, um dos políticos mais ligados à
Obra é o candidato a presidente Geraldo Alckmin, que em seus tempos de
governador de São Paulo costumava assistir a palestras sobre doutrina cristã
ministradas por numerários e a se confessar com um padre do Opus Dei.



Missão divina: tomar o poder para o Opus Dei



Por Por Altamiro Borges [9/10/2006]


O Opus Dei (do latim, Obra de Deus) foi fundado em outubro de 1928, na
Espanha, pelo padre Josemaría Escrivá. O jovem sacerdote de 26 anos diz ter
recebido a “iluminação divina” durante a sua clausura num mosteiro de Madri.
Preocupado com o avanço das esquerdas no país, este excêntrico religioso,
visto pelos amigos de batina como um “fanático e doente mental”, decidiu
montar uma organização ultra-secreta para interferir nos rumos da Espanha.
Segundo as suas palavras, ela seria “uma injeção intravenosa na corrente
sanguínea da sociedade”, infiltrando-se em todos os poros de poder. Deveria
reunir bispos e padres, mas, principalmente, membros laicos, que não usassem
hábitos monásticos ou qualquer tipo de identificação.


Reconhecida oficialmente pelo Vaticano em 1947, esta seita logo se tornou um
contraponto ao avanço das idéias progressistas na Igreja. Em 1962, o papa
João 23 convocou o Concílio Vaticano 2, que marca uma viragem na postura da
Igreja, aproximando-a dos anseios populares. No seu fanatismo, Escrivá não
acatou a mudança. Criticou o fim da missa rezada em latim, com os padres de
costas para os fiéis, e a abolição do Index Librorum Prohibitorum, dogma
obscurantista do século 16 que listava livros “perigosos” e proibia sua
leitura pelos fiéis. “Este concílio, minhas filhas, é o concílio do diabo”,
garantiu Escrivá para alguns seguidores, segundo relato do jornalista Emílio
Corbiere no livro Opus Dei: El totalitarismo católico.


O poder no Vaticano


Josemaría Escrivá faleceu em 1975. Mas o Opus Dei se manteve e adquiriu maior
projeção com a guinada direitista do Vaticano a partir da nomeação do papa
polonês João Paulo II. Para o teólogo espanhol Juan Acosta, “a relação entre
Karol Wojtyla e o Opus Dei atingiu o seu êxito nos anos 80-90, com a
irresistível acessão da Obra à cúpula do Vaticano, a partir de onde interveio
ativamente no processo de reestruturação da Igreja Católica sob o
protagonismo do papa e a orientação do cardeal alemão Ratzinger”. Em 1982, a
seita foi declarada “prelazia pessoal” – a única existente até hoje –, o que
no Direito Canônico significa que ela só presta contas ao papa, que só
obedece ao prelado (cargo vitalício hoje ocupado por dom Javier Echevarría) e
que seus adeptos não se submetem aos bispos e dioceses, gozando de total
autonomia.


O ápice do Opus Dei ocorreu em outubro de 2002, quando o seu fundador foi
canonizado pelo papa numa cerimônia que reuniu 350 mil simpatizantes na Praça
São Pedro, no Vaticano. A meteórica canonização de Josemaría Escrivá, que
durou apenas dez anos, quando geralmente este processo demora décadas e até
séculos, gerou fortes críticas de diferentes setores católicos.



Muitos advertiram que o Opus Dei estava se tornando uma “igreja dentro da
Igreja”. Lembraram um alerta do líder jesuíta Vladimir Ledochowshy que, num
memorando ao papa, denunciou a seita pelo “desejo secreto de dominar o
mundo”. Apesar da reação, o papa João Paulo II e seu principal teólogo,
Joseph Ratzinger, ex-chefe da repressora Congregação para Doutrina da Fé e
atual papa Beto 16, não vacilaram em dar maiores poderes ao Opus Dei.


Vários estudos garantem que esta relação privilegiada decorreu de razões
políticas e econômicas. No livro “O mundo secreto do Opus Dei”, o jornalista
canadense Robert Hutchinson afirma que esta organização acumula uma fortuna
de 400 bilhões de dólares e que financiou o sindicato Solidariedade, na
Polônia, que teve papel central na débâcle do bloco soviético nos anos 90. O
complô explicaria a sólida amizade com o papa, que era polonês e um visceral
anticomunista. Já Henrique Magalhães, numa excelente pesquisa na revista A
Nova Democracia, confirma o anticomunismo de Wojtyla e relata que “fontes da
Igreja Católica atribuem o poder da Obra à quitação da dívida do Banco
Ambrosiano, fraudulentamente falido em 1982”.


O vínculo com os fascistas


Além do fundamentalismo religioso, o Opus Dei sempre se alinhou aos setores
mais direitistas e fascistas. Durante a Guerra Civil Espanhola, deflagrada em
1936, Escrivá deu ostensivo apoio ao general golpista Francisco Franco contra
o governo republicano legitimamente eleito. Temendo represálias, ele se
asilou na embaixada de Honduras, depois se internou num manicômio,
“fingindo-se de louco”, antes de fugir para a França. Só retornou à Espanha
após a vitória dos golpistas. Desde então, firmou sólidos laços com o ditador
sanguinário Francisco Franco. “O Opus Dei praticamente se fundiu ao Estado
espanhol, ao qual forneceu inúmeros ministros e dirigentes de órgãos
governamentais”, afirma Henrique Magalhães.


Há também fortes indícios de que Josemaría Escrivá nutria simpatias por Adolf
Hitler e pelo nazismo. De forma simulada, advogava as idéias racistas e
defendia a violência. Na máxima 367 do livro Caminho, ele afirma que seus
fiéis “são belos e inteligentes” e devem olhar aos demais como “inferiores e
animais”. Na máxima 643, ensina que a meta “é ocupar cargos e ser um
movimento de domínio mundial”. Na máxima 311, ele escancara: “A guerra tem
uma finalidade sobrenatural... Mas temos, ao final, de amá-la, como o
religioso deve amar suas disciplinas”. Em 1992, um ex-membro do Opus Dei
revelou o que este havia lhe dito: “Hitler foi maltratado pela opinião
pública. Jamais teria matado 6 milhões de judeus. No máximo, foram 4
milhões”. Outra numerária, Diane DiNicola, garantiu: “Escrivá, com toda
certeza, era fascista”.


Escrivá até tentou negar estas relações. Mas, no seu processo de ascensão no
Vaticano, ele contou com a ajuda de notórios nazistas. Como descreve a
jornalista Maria Amaral, num artigo à revista Caros Amigos, “ao se mudar para
Roma, ele estimulou ainda mais as acusações de ser simpático aos regimes
autoritários, já que as suas primeiras vitórias no sentido de estabelecer o
Opus Dei com estrutura eclesiástica capaz de abrigar leigos e ordenar
sacerdotes se deram durante o pontificado do papa Pio XII, por meio do
cardeal Eugenio Pacelli, responsável por controverso acordo da Igreja com
Hitler”. Um outro texto, assinado por um grupo de católicas peruanas, garante
que a seita “recrutou adeptos para a organização fascista ‘Jovem Europa’,
dirigida por militantes nazistas e com vínculos com o fascismo italiano e
espanhol”.


Pouco antes de morrer, Josemaría Escrivá realizou uma “peregrinação” pela
América Latina. Ele sempre considerou o continente fundamental para sua seita
e para os negócios espanhóis. Na região, o Opus Dei apoiou abertamente várias
ditaduras. No Chile, participou do regime terrorista de Augusto Pinochet. O
principal ideólogo do ditador, Jaime Guzmá, era membro ativo da seita, assim
como centenas de quadros civis e militares. Na Argentina, numerários foram
nomeados ministros da ditadura. No Peru, a seita deu sustentação ao corrupto
e autoritário Alberto Fujimori. No México, ajudou a eleger como presidente
seu antigo aliado, Miguel de La Madri, que extinguiu a secular separação
entre o Estado e a Igreja Católica.


Infiltração na mídia


Para semear as suas idéias religiosas e políticas de forma camuflada, Escrivá
logo percebeu a importância estratégica dos meios de comunicação. Ele mesmo
gostava de dizer que “temos de embrulhar o mundo em papel-jornal”. Para isso,
contou com a ajuda da ditadura franquista para a construção da Universidade
de Navarra, que possui um orçamento anual de 240 milhões de euros.
Jornalistas do mundo inteiro são formados nos cursos de pós-graduação desta
instituição.



O Opus Dei exerce hoje forte influência sobre a mídia. Um relatório
confidencial entregue ao Vaticano em 1979 pelo sucessor de Escrivá revelou
que a influência da seita se estendia por “479 universidades e escolas
secundárias, 604 revistas ou jornais, 52 estações de rádio ou televisões, 38
agências de publicidade e 12 produtores e distribuidoras de filmes”.


Na América Latina, a seita controla o jornal El Observador (Uruguai) e tem
peso nos jornais El Mercúrio (Chile), La Nación (Argentina) e O Estado de
S.Paulo. Segundo várias denúncias, ela dirige a Sociedade Interamericana de
Imprensa, braço da direita na mídia hemisférica. No Brasil, a Universidade de
Navarra é comandada por Carlos Alberto di Franco, numerário e articulista do
Estadão, responsável pela lavagem cerebral semanal de Geraldo Alckmin nas
famosas “palestras do Morumbi”. Segundo a revista Época, seu “programa de
capacitação de editores já formou mais de 200 cargos de chefia dos principais
jornais do país”. O mesmo artigo confirma que “o jornalista Carlos Alberto Di
Franco circula com desenvoltura nas esferas de poder, especialmente na
imprensa e no círculo íntimo do governador Geraldo Alckmin”.


O veterano jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, há muito
denuncia a sinistra relação do Opus Dei com a mídia nacional. Num artigo
intitulado “Estranha conversão da Folha”, critica seu “visível crescimento na
imprensa brasileira. A Folha de S.Paulo parecia resistir à dominação, mas
capitulou”. No mesmo artigo, garante que a seita “já tomou conta da
Associação Nacional de Jornais (ANJ)”, que reúne os principais monopólios da
mídia do país. Para ele, a seita não visa a “salvação das almas desgarradas.
É um projeto de poder, de dominação dos meios de comunicação. E um projeto
desta natureza não é nem poderia ser democrático. A conversão da Folha é uma
opção estratégica, política e ideológica”.


A “santa máfia”


Durante seus longos anos de atuação nos bastidores do poder, o Opus Dei
constituiu uma enorme fortuna, usada para bancar seus projetos reacionários –
inclusive seus planos eleitorais. Os recursos foram obtidos com a ajuda de
ditadores e o uso de máquinas públicas. “O Opus Dei se infiltrou e parasitou
no aparato burocrático do Estado espanhol, ocupando postos-chaves. Constituiu
um império econômico graças aos favores nas largas décadas da ditadura
franquista, onde vários gabinetes ministeriáveis foram ocupados integralmente
por seus membros, que ditaram leis para favorecer os interesses da seita e se
envolveram em vários casos de corrupção, malversação e práticas imorais”,
acusa um documento de católico do Peru.


A seita também acumulou riquezas através da doação obrigatória de heranças
dos numerários e do dizimo dos supernumerários e simpatizantes infiltrados em
governos e corporações empresariais. Com a ofensiva neoliberal dos anos 90, a
privatização das estatais virou outra fonte de receitas. Poderosas
multinacionais espanholas beneficiadas por este processo, como os bancos
Santander e Bilbao Biscaia, a Telefônica e empresa de petróleo Repsol, tem no
seu corpo gerencial adeptos do Opus.


Para católicos mais críticos, que rotulam a seita de “santa máfia”, esta
fortuna também deriva de negócios ilícitos. Conforme denuncia Henrique
Magalhães, “além da dimensão religiosa e política, o Opus Dei tem uma
terceira face: da sociedade secreta de cunho mafioso. Em seus estatutos
secretos, redigidos em 1950 e expostos em 1986, a Obra determina que ‘os
membros numerários e supernumerários saibam que devem observar sempre um
prudente silêncio sobre os nomes dos outros associados e que não deverão
revelar nunca a ninguém que eles próprios pertencem ao Opus Dei’. Inimiga
jurada da Maçonaria, ela copia sua estrutura fechada, o que frequentemente
serve para encobrir atos criminosos”.


O jornalista Emílio Corbiere cita os casos de fraude e remessa ilegal de
divisas das empresas espanholas Matesa e Rumasa, em 1969, que financiaram a
Universidade de Navarra. Há também a suspeita do uso de bancos espanhóis na
lavagem de dinheiro do narcotráfico e da máfia russa. O Opus Dei esteve
envolvido na falência fraudulenta do banco Comercial (pertencente ao jornal
El Observador) e do Crédito Provincial (Argentina). Neste país, os
responsáveis pela privatização da petrolífera YPF e das Aerolineas
Argentinas, compradas por grupos espanhóis, foram denunciados por escândalos
de corrupção, mas foram absolvidos pela Suprema Corte, dirigida por Antonio
Boggiano, outro membro da Opus Dei. No ano retrasado, outro numerário do Opus
Dei, o banqueiro Gianmario Roveraro, esteve envolvido na quebra da Parlamat.


“A Internacional Conservadora”

O escritor estadunidense Dan Brown, autor do best seller O Código da Vinci,
não vacila em acusar esta seita de ser um partido de fanáticos religiosos com
ramificações pelo mundo. O Opus Dei teria cerca de 80 milhões de fiéis,
muitos deles em cargos-chave em governos, na mídia e em multinacionais.
Henrique Magalhães garante que a “Obra é vanguarda das tendências mais
conservadoras da Igreja Católica”.

Num livro feito sob encomenda pelo Opus Dei, o vaticanista John Allen
confessa este poderio. Ele admite que a seita possui um patrimônio de US$ 2,8
bilhões – incluindo uma luxuosa sede de US$ 60 milhões em Manhattan – e que
esta fortuna serve para manter as suas instituições de fachada, como a
Heights School, em Washington, onde estudam os filhos dos congressistas do
Partido Republicano de George W.Bush.

Numa reportagem que tenta limpar a barra do Opus Dei, a própria revista
Superinteressante, da suspeita Editora Abril, reconhece o enorme influência
política desta seita. E conclui: “No Brasil, um dos políticos mais ligados à
Obra é o candidato a presidente Geraldo Alckmin, que em seus tempos de
governador de São Paulo costumava assistir a palestras sobre doutrina cristã
ministradas por numerários e a se confessar com um padre do Opus Dei.
Alckmin, porém, nega fazer parte da ordem”. Como se observa, o candidato
segue à risca um dos principais ensinamentos do fascista Josemaría Escrivá:
“Acostuma-se a dizer não”.

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