terça-feira, outubro 03, 2006

Globalização

'Globalização produz países ricos com pessoas pobres'
Para Stiglitz, a receita para fazer esse processo funcionar é usar o
chamado 'modelo escandinavo'

Nathan Gardels

Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel da Economia em 2001, em seu mais recente
livro Making Globalization Work (Fazendo a Globalização Funcionar) diz que
esse processo está produzindo 'países ricos com pessoas pobres'. Para o
economista, a globalização pode ser uma grande promessa se for administrada
de maneira adequada. Ele acredita que a receita para fazer a globalização
funcionar é o que se chama de 'modelo escandinavo'. A seguir, os principais
trechos da entrevista.

O sr. disse que a globalização está produzindo 'países ricos com povos
pobres' não apenas no mundo em desenvolvimento mas também nos países
avançados, incluindo os Estados Unidos. O que quer dizer com isso?

Apesar da promessa de que uma globalização bem administrada melhoraria a
vida de todos, o lado não apregoado da globalização ao estilo americano é
que ela está deixando muitos em situação pior nos países industriais
avançados. Isso tem acontecido mesmo quando aumenta o crescimento econômico
porque a globalização exerce uma intensa pressão para a redução dos
salários dos trabalhadores não especializados e menos especializados da
força de trabalho. A dinâmica por trás disso pode ser facilmente percebida
supondo-se uma informação perfeita em mercados globais. Isso significaria
que todos com o mesmo nível de especialização teriam o mesmo salário. Nas
circunstâncias vigentes, de informação imperfeita, e com o livre fluxo dos
capitais mas não da mão-de-obra como bem ilustra a terceirização, podemos
ver os salários sendo comprimidos. Nos últimos cinco anos, os salários
reais caíram nos Estados Unidos. Além disso, existe um fator adicional que
alguns chamam de 'walmartização'. Evidentemente, a Wal-Mart leva produtos
mais baratos para trabalhadores em países como os EUA, mas sintetiza o
modelo conservador segundo o qual uma companhia deve cortar gastos para
permanecer competitiva, ou um país deve cortar impostos e benefícios
sociais para ser globalmente competitivo. Na sociedade resultante, os
vencedores da globalização - aqueles com capital e especialização mais alta
- estão melhores, mas a classe média está sendo espremida pela perda de
pensões e assistência médica e os salários reduzidos. A sociedade americana
está sendo esvaziada para que haja somente um topo e um fundo. Nos países
em desenvolvimento, os acordos de livre comércio desiguais também pioraram
as coisas para muitos. Nos primeiros 10 anos do Acordo de Livre Comércio da
América do Norte, por exemplo, a disparidade de renda entre americanos e
mexicanos cresceu mais de 10%. Agricultores mexicanos pobres agora têm de
competir em seu país com o milho americano fortemente subsidiado, o que com
freqüência os expulsa do campo para as cidades ou para os EUA, ainda que o
milho tenha ficado mais barato para os moradores urbanos. No geral, os
países desenvolvidos impõem a países em desenvolvimento tarifas quatro
vezes maiores na média que as impostas a outros países desenvolvidos. Os
países ricos têm custado aos países pobres três vezes mais em restrições
comerciais do que dão em ajuda ao desenvolvimento global.A globalização
representa uma grande promessa se for administrada de maneira adequada. Mas
ela só funcionará se os vencedores dividirem seus benefícios com os
perdedores.

Essa linha de raciocínio já foi considerada radical, mas agora até o
presidente do Federal Reserve ( banco central americano), Ben Bernanke,
disse recentemente que a redução dos benefícios sociais nos EUA e a
desigualdade resultante da globalização estão se tornando enormes demais
para durar. Ele teme que isso resulte numa recaída no protecionismo a menos
que surjam políticas sociais compensatórias.

Ele está absolutamente certo. Nisso nós estamos juntos. Agora temos a
Organização Mundial do Comércio e um conjunto de regras comerciais
internacionais que poderiam ajudar a mitigar uma recaída. Já aconteceu
antes, no período entre as duas grandes guerras no século passado - antes
do qual o comércio mundial era maior do que é agora. Então poderá acontecer
de novo se continuarmos com uma globalização desenfreada.

Que conjunto de políticas nos países avançados pode fazer a globalização
funcionar?

A receita para fazer a globalização funcionar é o que geralmente se chama
de 'modelo escandinavo'. Isso significa altos níveis de investimento em
educação, pesquisa e tecnologia mais uma forte rede de segurança. Mas isso,
claro, também acarreta, como nos países escandinavos, um imposto de renda
altamente progressivo. Longe de tornar esses países menos competitivos,
tornou-os mais. Por mais que isso possa parecer uma contradição para
ideólogos conservadores para quem cortar impostos é a resposta para tudo, o
fato é que as pessoas são mais dispostas a correr riscos empresariais se
puderem contar com uma rede de segurança e se tiverem o treinamento para
ser inovadoras. Na Suécia, os social-democratas que moldaram essa política
perderam recentemente o poder. Mas não devemos entender isso como algum
tipo de ruptura no consenso social. O novo governo, mais conservador, fará
apenas um ajuste fino no modelo.

Por que o Leste Asiático tem sido tão bem-sucedido em tirar proveito da
globalização, enquanto a América Latina, por exemplo, não?

Os países do Leste Asiático - primeiramente Japão e depois países como
Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul e agora China - compreenderam que seu
atraso em relação ao mundo avançado era em conhecimento e tecnologia. Por
isso, eles encorajaram o investimento estrangeiro direto, insistindo na
transferência de tecnologia, e investiram maciçamente em educação e
infra-estrutura, em grande parte com as próprias poupanças nacionais, que
são as mais altas do mundo. A China, especialmente, abraçou a globalização
nos seus próprios termos. Ela foi lenta para abrir seus mercados a
importações e mesmo hoje não permite a entrada dos fluxos de capital
especulativo, de curto prazo, que tão facilmente conduzem aos ciclos de
expansão e implosão nas economias emergentes. Mas, acima de tudo, a China,
como os outros, não confiou no trickle-down (teoria conservadora segundo a
qual a acumulação de riqueza no topo beneficia paulatinamente os de baixo)
da riqueza, mas procurou melhorar a situação dos mais pobres com
intervenção do governo. Na última década e meia, centenas de milhões saíram
da pobreza absoluta ali. Agora que está surgindo uma grande diferença de
riqueza por causa do crescimento rápido e sustentado, o Partido Comunista
colocou a nova política de 'harmonia' no topo da sua agenda, visando
impedir que a diferença se torne grande demais. A América Latina tem sido,
no geral, uma imagem espelhada do Leste Asiático. Ela não tem poupanças
domésticas. Não tem os recursos fiscais para os necessários investimentos
em educação e pesquisa ou para pagar por uma rede de segurança. Ela
permitiu o capital especulativo de curto prazo, que fugiu ao primeiro sinal
de encrenca, enviando um país como a Argentina com classificação A+ do
Fundo Monetário Internacional (FMI) para a inadimplência e a
calamidade.Embora o Chile seja uma exceção, o crescimento na América Latina
tem sido cheio de vaivéns. No geral, ele tem sido fraco e não sustentável -
exceto na exportação de matérias-primas para a China.

O sr. criticou com freqüência o 'déficit democrático' no Fundo Monetário
Internacional e no Banco Mundial. Numa reunião recente em Cingapura,
Brasil, China, Coréia do Sul e México receberam maior participação na
diretoria. Isso é significativo?

Claramente, o Fundo Monetário Internacional havia perdido toda legitimidade
política. Suas pressões e prescrições pioraram muito a crise asiática e
causaram um desastre em lugares como a Argentina. Se isso será um passo à
frente? Tomara que seja. Mas teremos de esperar para ver. Por enquanto,
tendo a ficar com os céticos que acham que trazer essas economias
emergentes para a diretoria visa aliviar a pressão por reformas
fundamentais. Os Estados Unidos ainda, e inescrupulosamente, conservam seu
poder de veto. E o Banco Mundial só pode ser presidido por um americano
ainda. Quando esses aspectos forem reformados, talvez isso possa fazer uma
diferença real.

Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia

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