Trabalho do PSDB "é vender patrimônio", diz Lula no "Roda Viva"
Cris Gutkoski
Da Redação, em São Paulo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve o discurso de atacar as
privatizações promovidas pelos governos tucanos em entrevista ao programa
"Roda Viva", da TV Cultura. Lula negou que a tática seja "terrorismo
eleitoral", como tem sido definida pelos adversários.
"O que falamos agora é um histórico da vida do PSDB. Eles privatizaram
quase tudo que tinha no Estado de São Paulo e no Brasil. Falam de
privatizar o que puder privatizar. O trabalho administrativo deles é vender
o patrimônio público."
O "Roda Viva", da TV Cultura, fez nesta segunda-feira o primeiro de dois
programas especiais com os candidatos a presidente. O segundo será no
próximo domingo, com Geraldo Alckmin (PSDB).
Participaram da entrevista com Lula o apresentador Paulo Markun e os
jornalistas convidados Renata Lo Prete (Folha de S.Paulo), Tereza Cruvinel
(O Globo), Alexandre Machado (TV Cultura), Lourival Santana (Estado de
S.Paulo), Denise Rothemburg (Correio Braziliense) e Cristiano Romero (Valor
Econômico).
A entrevista, cuja transmissão à noite durou cerca de uma hora e meia, a
partir das 22h40min, foi realizada na biblioteca do Palácio da Alvorada,
residência oficial do presidente. Em quatro blocos, Lula respondeu
perguntas sobre privatizações, dossiê contra tucanos, reforma na
Previdência, reforma política, orçamento da União, entre outros temas.
Sobre o primeiro debate na TV Bandeirantes, Lula disse que estranhou o
comportamento de Alckmin: "Ele estava ensandecido, ele pensou que
resolveria o problema da guerra numa única batalha". O presidente também
afirmou que a disputa política no país é "historicamente velhaca".
Ao final do programa, na ausência de perguntas sobre realizações de seu
governo, Lula trouxe o tema da educação.
Leia os principais trechos das respostas do presidente:
Privatizações e terrorismo eleitoral
"Naquele tempo (em 1989), diziam até que eu ia fechar as igrejas
evangélicas. O que falamos agora é um histórico da vida do PSDB. Eles
privatizaram quase tudo que tinha no Estado de São Paulo e no Brasil. Falam
de privatizar o que puder privatizar. O trabalho administrativo deles é
vender o patrimônio público. Ele (Alckmin) acabou de privatizar em São
Paulo. Ele que diga textualmente que não vai fazer. A prática não tem sido
essa".
"Sou contra a privatização dos setores estratégicos para a soberania
nacional. A Petrobras, que tinha lucro líquido pequeno, hoje tem lucro
extraordinário. A empresa tem dado saltos extraordinários e continua sendo
empresa pública. No Brasil se criaram determinadas manias para se desfazer
do patrimônio público. O Estado brasileiro já deu demonstrações de que pode
gerir os próprios fundos com muita competência. Não cabe ao Estado competir
em todas as áreas com a empresa privada".
Investimentos
"Quando eu precisava de dinheiro, não vendia a geladeira. Eu trabalhava
mais, fazia hora extra. A palavra de ordem para o próximo ano não pode ser
outra a não ser desenvolvimento, crescimento econômico, distribuição de
renda. Quando vejo um assessor dizer que vai economizar R$ 60 bilhões, é
uma heresia. Duvido que haja margem de manobra para alguém dizer que vai
cortar R$ 60 bilhões porque isso é asfixiar o país. É a primeira vez depois
de 23 anos que as empresas têm mais lucros do que os bancos neste país.
Vamos terminar o ano desonerando 23 bilhões de reais".
Previdência
"Não temos muito onde cortar gastos. (Num próximo governo) Pode ter uma
nova reforma (da Previdência). Não vai ser proposta do governo, vou juntar
todos os segmentos da sociedade interessados, trabalhadores da ativa,
aposentados e empresários, e vamos discutir que tipo de reforma fazer na
Previdência sem penalizar o trabalhador. No mundo inteiro, o aumento da
longevidade... a cada 15 ou 20 anos vamos ter que rediscutir a
contribuição".
"Faz quase dois anos mandamos para o Congresso um projeto de lei chamado
pré-empresa. Queríamos que o vendedor de cachorro quente pudesse se
legalizar e participar de sistema de seguridade social com garantia de um
mínimo de sobrevivência na velhice. (O projeto) Não foi aprovado. O
Congresso poderia estar votando isso agora, (poderia) cumprir o papel
importante de votar essas leis necessárias para o Brasil".
Escândalo do dossiê
"Se dependesse de mim, não teriam feito. E ao terem feito, deveriam ter
falado no dia seguinte. Desde o início houve tentativa de dizer "o
presidente sabia", como se fosse possível o presidente saber de tudo o que
acontece no território nacional. O que é sagrado num governo republicano é
que ao saber você tem que tomar as atitudes, afastar e permitir que as
pessoas utilizem as garantias das instituições para se defenderem ou serem
condenadas".
"Para prender é preciso respeitar o funcionamento das instituições. No que
a minha candidatura precisava de dossiê? Se o dossiê é o que as pessoas
dizem o que é, ele está na Internet. Como é que uma pessoa vai comprar um
dossiê que está na Internet? A minha pergunta é simples, é de quem gosta de
filme de detetive. Eu queria saber quem é o arquiteto desse dossiê".
E"u estava no Rio Grande do Norte, voltei aqui no domingo, chamei o
presidente do partido (Ricardo Berzoini) lá em casa e disse "eu quero saber
quem fez essa burrice, isso é uma sandice inominável". Ele me disse que não
sabia. Falei, "Ricardo, você como presidente do partido tem obrigação de
apresentar uma resposta para a sociedade". Na quarta, eu o afastei da
coordenação da campanha. Agora posso esperar que a PF faça a investigação e
consiga deles o que eu não consegui".
"A coisa não é tão simplista. Eu preferiria que quem fez a sandice tivesse
assumido. Não assumiu, o que vai acontecer? A PF vai investigar a fundo. A
ordem dada é que a PF não deixe pedra sobre pedra, pode demorar um dia, um
mês um ano. Graças a Deus o método rápido de as pessoas contarem as coisas
acabou. Nós conquistamos isso. Esse país tem justiça, tem Ministério
Público, tem Polícia Federal. Não é mais uma questão da Presidência da
República".
"Eu gostaria de saber quem é o arquiteto da idéia. Eu não tenho poder de
investigação e é bom que eu não tenha. Só peço que apurem. E seja quem for
que esteja envolvido, que pague o preço que tiver de pagar. Nós temos um
povo mais atento, mais fiscalizador. Vocês deveriam ir para os comícios e
ver como o povo está muito mais calejado, muito mais sabedor daquilo que
lhe interessa".
"A maioria das quadrilhas que conseguimos desmantelar vem de muitos anos
atrás. Tem gente que não se conforma com isso. Demos liberdade para a
Polícia Federal trabalhar. Já houve momentos no Brasil em que não era
assim".
O primeiro debate
"A minha relação política com as pessoas, de qualquer partido, sempre foi
de muita diplomacia e de muita democracia. Nunca destratei nenhum político
na minha relação pessoal. Estranhei o comportamento do meu adversário, ele
estava ensandecido, ele pensou que resolveria o problema da guerra numa
única batalha. Confesso que fiquei chateado. Ali estavam dois candidatos,
mas estavam um governador do Estado e um presidente da República. Não
gostei, mas também não me queixei, campanha é assim, campanha desfigura as
pessoas. Eu preferia que o debate se desse no nível programático. Confesso
que estranhei o comportamento do Alckmin naquele dia. Talvez ele tenha sido
orientado para aquilo".
Campanha e família
"Cada um tem uma forma de ver a comunicação. Apareço o mínimo possível (na
propaganda gratuita), até porque já sou muito conhecido. Eu não sou
candidato do PT, sou candidato de um leque de partidos que me apóiam: PTB,
PL, PC do B, PSB. Tenho que colocar a marca da campanha. O nosso programa
está infinitamente mais qualificado do ponto de vista do conteúdo que o de
nossos adversários".
"Não tenho acordo, tenho procedimento. Não me peçam para falar o nome de
mulher ou de filho de adversário. Em 1989, não quero nem lembrar, eu tive a
minha filha vítima disso. Eu sei o que é o reflexo disso na cabeça de uma
pessoa. Vale para o meu filho o seguinte: da minha parte, não tocarei nas
coisas pessoais do meu adversário. Não toquei na (vida) do Collor, do
Fernando Henrique, do José Serra, do Alckmin".
"Não posso responder pelo site que um companheiro do PT fez. Posso
responder pelo meu comportamento. O Marco Aurélio (Garcia) sabe o que eu
disse pra ele. Numa campanha minha não se toca nesse assunto. O meu filho,
minha mulher, eu e qualquer parente de primeiro a oitavo grau estão
subordinados à mesma legislação de todos os demais brasileiros. Se tiver
coisa errada, que se investigue e puna. Até agora, tudo foi investigado
pelos meus adversários. Não posso tomar as dores do meu filho. Ao mesmo
tempo não posso impedir que ele trabalhe. Alguém diga se houve coisa ilegal
ou não".
"A disputa política nesse país historicamente é velhaca. As pessoas
utilizam os argumentos mais absurdos possíveis para ganhar uma eleição.
Quem ganhar com método ilícito, tem pouca chance de fazer um bom governo".
Reforma política
"A reforma política não é desejo do presidente. A questão da fidelidade
partidária, a discussão sobre os mandatos, tem coisas que me incomodam, por
que um senador tem mandato de oito anos e não de quatro? Sou simpático à
idéia do voto distrital misto. Mas eu era parlamentarista no plebiscito e
perdi. O que a gente não pode é vender o parlamentarismo como salvação da
lavoura, temos que aprender a conviver com política de coalizão, tudo isso
é aprendizado".
Orçamento da União
"O Orçamento não pode continuar a ser feito como está sendo. Ouvimos mais
de 2.700 entidades. Todo mundo critica a comissão do orçamento. É mais
honesto valorizar as emendas individuais (...) do que essas barganhas que
acontecem. A emenda de bancada é mais saudável, tem mais identidade".
Petistas envolvidos em escândalos
"Chegar à presidência e montar ministério é quase como convocar uma
seleção. Se o jogador não fez o que tinha de ser feito, ele é afastado. As
pessoas foram chamadas pelas qualidades que tinham. Eles viraram alvos de
críticas e denúncias e eu não poderia mantê-las no governo. O José Dirceu
era um quadro que poderia ser ministro de qualquer governo da história
desse país. Não existe amigo nessas coisas, existe comportamento. Na hora
que você faz as coisas ruins, você paga por elas".
Ações na educação
O meu cuidado era não deixar o governo parar. Nós trabalhamos e os
resultados foram muito bons para a história política do Brasil. Tenho
orgulho de dizer que sou o presidente da República que mais investiu em
educação na história desse país. São 48 extensões universitárias, até o
final do ano inauguramos 32 escolas técnicas. Estamos com defasagem no
ensino superior, médio e fundamental. Por que herdei isso? Aumentamos de
oito para nove anos a permanência de crianças na escola. Havia uma lei que
dizia que o governo federal não poderia mais ser responsável pelo ensino
técnico, nós revogamos essa lei. Vamos fazer em cada cidade pólo uma
extensão universitária e uma escola técnica. Anunciamos a Universidade
Aberta. Não posso resolver em apenas quatro anos o que não foi feito em 40
anos. O Brasil não dará o salto de qualidade que o mundo exige se não
houver prioridade para a educação. No Prouni, são 204 mil jovens a mais na
universidade brasileira. Parece pouco? Quero fazer do Brasil o país mais
democrático do mundo no acesso à universidade".
Acordo com PL na campanha
"Em nenhuma reunião de que eu tenha participado se discutiu de pagar a um
partido político. Não é possível que alguém ouse achar que alguém pode
financiar a campanha de outro. (O financiamento público de campanhas) É
muito mais barato e mais sadio do ponto de vista da democracia. Não pode
ter dinheiro privado em campanha política".
Se não for eleito?
"Primeiro, eu vou ser eleito. Eu vou para São Bernardo do Campo e todo dia
eu vou ver a Volkswagen, o pessoal que me criou para a política. Deus já
foi generoso comigo ao extremo ao permitir alternância de poder. Já aprendi
muito e já sei todo o caminho das pedras. O povo está sentindo no bolso, no
supermercado, no depósito de material, no açougue, na farmácia... apesar
das coisas negativas, ele está comendo mais e vivendo melhor".
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